A MUDANÇA



           O caminhão com a mudança seguia rumo ao desconhecido. A ansiedade tomava conta de mim e do meu irmão mais velho. Tínhamos à época, eu, seis anos, meu irmão mais velho dez e, minha irmãzinha mais nova, um aninho e que havia ficado com meus avós e viria depois, quando tudo estivesse em seus devidos lugares.
        Meu pai já se encontrava na cidadezinha a nos esperar.  
           Viajávamos no caminhão de mudanças, eu, como sempre, muito tagarela não parava de falar e de perguntar. Quando o motorista falou que já estávamos próximo, a ansiedade tomou conta de todos nós, como seria essa cidade, o que nos esperava pela frente.
        Logo avistei uma linda serra, tudo verdinho, pois estávamos no período chuvoso. No pico da serra existia uma cruz que se destacava na paisagem, mas embaixo avistei uma igrejinha bem pequena e muito linda, toda azul com detalhes brancos.Tudo aquilo me impressionou muito, eu nunca havia visto serras, tudo era novo e muito excitante, o que me enchia de expectativa e curiosidade.
         Enfim, entramos na cidade, tudo muito diferente da Capital onde nasci. Nunca antes tinha viajado, eu olhava tudo, querendo absorver de uma vez, com um só olhar, o que estivesse ao meu redor. De repente ,paramos e lá estava meu pai, em pé,a nos esperar. Ele não cabia em si de tanta alegria a nos ver, pois, há mais de dois meses que ele tinha vindo morar nessa cidade, onde assumiria a propriedade do Cartório da cidade, o qual, iria funcionar na casa onde íamos morar.
      Descemos do caminhão, todos felizes com o prenúncio da nova vida e eu, muito eufórica, perguntava ao meu pai onde seria nossa casa, meu pai então, mostrou-me a casa, estávamos na calçada da mesma. Parei e olhei, era uma daquelas casas muito antigas, típicas dos interiores nordestinos, tinha uma porta larga e muito alta e três janelões, também muito largos e altos.
     Meu pai nos chamou para entrarmos, eu, que só andava correndo, entrei devagar, observando tudo nos seus mínimos detalhes. Logo que se atravessava a porta de entrada, tinham dois degraus que dava acesso a uma saletinha, ao lado direito dessa saleta tinha uma imensa sala. Fui me adentrando, daí, para um corredor largo e comprido onde tinha uma meia porta toda de treliça, ao lado do corredor tinham então, os quartos. Seguindo adiante, me deparei com uma imensa sala, da largura da casa, aquela imensidão me assustou um pouco, ela tinha uma porta bem larga que dava para uma escadaria que levava ao quintal. Essa sala tinha mais duas portas, uma levava a cozinha, que também era muito grande e clara, pois tinham várias janelas e a outra porta, era um quarto que, mais tarde viria a ser uma despensa. Na cozinha, ao fundo, avistava-se um enorme fogão à lenha, feito de alvenaria.
      Tudo muito grande na minha visão de criança, o que me deixou meio impressionada!
         Eu queria explorar tudo em seus mínimos detalhes, então, corri para a porta que dava acesso ao quintal, eu tinha pressa em conhecer tudo, desci e logo avistei o banheiro, fui lá verificar os detalhes, tinha um sanitário e um tanque para armazenar água para o banho.
         Saindo de lá continuei minha exploração, corri para o final do quintal onde tinha um imenso pé de manga Tamaracá. Olhei e vi que o chão estava cheio de mangas, comecei a gritar pelo meu irmão e pela minha mãe, quando lá vem meu pai correndo, imaginando que tivesse acontecido alguma coisa comigo, eu porém, já estava toda lambuzada de manga, pois essa era minha fruta predileta.
         Meu pai então falou que não me queria sozinha no quintal, pois, ao lado da mangueira havia um poço d’água muito profundo e descoberto, o qual, era muito perigoso.
     Eu, na euforia das mangas, não havia notado, ele então me levou até lá e me mostrou e falou, que se eu me aproximasse muito poderia cair dentro e morrer. Aquilo tirou um pouco o brilho daquele momento.
    Quando estávamos voltando ele mostrou-me, ao lado da escadaria, um porão com duas portas de entrada. Chegamos perto para ver, então senti muito medo, pois era escuro e meio assombroso, mas dava prá ver que tinha uma madeira, tipo tronco, cheia de correntes, então meu pai falou que ali se acorrentavam os negros na época da escravidão. Eu não entendi nada, mas fiquei muito assustada e me perguntando por que colocariam pessoas negras ali e acorrentadas?
       A visão daquele quarto escuro e do tronco com as correntes, não me saiam do pensamento, mas eu não entendia, não conseguia entender, enfim, eu só tinha 6 anos.
    Depois que descarregaram a mudança, tudo estava muito confuso dentro de casa, pois os móveis não estavam em seus devidos lugares. Eu já havia substituído o pensamento ruim, pela euforia da novidade e, no momento, o que eu mais queria era encontrar minhas coisas, meus brinquedos. Então, mexe aqui, abre ali e aos poucos as coisas foram tomando seus devidos lugares e eu encontrando meus brinquedos prediletos, minhas bonecas, as quais fazia questão de mostrar tudo e falar: - aqui ,agora, é nossa nova casa!
       A noite os móveis já estavam em seus lugares, tudo quase em ordem, pois minha mãe era incansável, era a organização em pessoa, meu pai e meu irmão também ajudavam.
      De repente, ouvimos alguém batendo palmas lá fora, meu pai foi ver quem era. Eram os vizinhos, um Senhor já bem idoso e sua sobrinha, também já com uma certa idade, ele era o Coletor de Impostos da cidade, tinham vindo dar as boas vindas e se oferecerem, caso precisássemos de alguma coisa. A sobrinha, que se chamava Auristela , falou que poderíamos chamá-la de Tetela, foi logo me fazendo um agrado e dizendo que eu era muito bonita, que parecia uma graúna, pois eu tinha os olhos e os cabelos bem pretos, eu também logo gostei dos dois, parecia que eu
já os conhecia há bastante tempo!
         Primeiro amanhecer naquela nova vida!
        Que sensação inesquecível aquela que senti!
      Acordei muito cedo e fui direto prá porta que dava acesso a escadaria que levava ao quintal. Todos ainda dormiam, ao tentar abrir a porta, meu pai acordou com o barulho e veio ver o que era, tomou um susto ao me ver já de pé, eu então falei que queria ir ao quintal pegar mangas, pois estava com muita vontade de chupar uma. Meu pai falou então prá eu ficar sentadinha na escada que ele iria pegar umas prá mim. Assim o fez, nós dois então, chupamos várias mangas, quando minha mãe acordou lá estávamos nós, lambuzados de manga e felizes!
     Hábito esse, que se tornou rotina em nossas vidas, minha e de meu pai.
     Depois desse amanhecer tão feliz, o que eu mais queria era conhecer a cidade, as pessoas, fazer novas amizades, arranjar amigas, brincar.
      Após o café da manhã saímos todos para darmos uma volta na cidade.
       Em frente a nossa casa ficava o Mercado, onde tudo era vendido, eu ia me encantando com tudo. De lá, caminhamos rumo ao colégio onde eu iria estudar. Meu pai já havia reservado minha vaga, era um Colégio de Freiras, gostei, assim que o vi e sai correndo e gritando - é lindo meu colégio!
         As pessoas paravam e nos olhavam, pois meu pai já conhecia muita gente e estavam sabendo que a família dele viria morar ali.  
          Coisa natural em uma cidadezinha do interior!
      Assim foram se sucedendo os dias. Cada dia era uma descoberta, uma coisa nova que me surpreendia, que me encantava, eu estava deslumbrada com tudo!
       Lembro-me bem de uma linda noite de lua cheia.
      Eu gostava muito de ficar passeando com meu pai  em cima dos pés dele, e nessa noite de lua cheia saíamos andando pelo quarteirão, eu encantada com a beleza da lua, perguntei ao meu pai se na cidade que minha avó morava também tinha uma lua, bonita como àquela, ele então me respondeu que sim e que minha avó também estava vendo aquela mesma lua, eu então questionava, - como se onde ela mora é tão distante? Difícil prá uma criança de seis anos entender isso!
      Meus primeiros passos de dança também foram dados nessa época, também, em cima dos pés do meu pai. Eu ficava sobre seus pés e ele saia bailando comigo. Eu adorava! Me sentia flutuar, acho que vem daí minha paixão pela dança, principalmente, pela valsa, pois era o rítimo que meu pai mais gostava de dançar!
      O tempo foi passando e eu já conhecia muita gente.     Nossos vizinhos eram super carinhosos com todos nós, comigo então, nem se fala, era só carinho e atenção, simplesmente me adotaram! Todo doce, bolo ou qualquer outra gulozeima que faziam, logo me chamavam prá ver se eu gostava. Era um mimo só!
       No Colégio, soube que aquela cidade foi a primeira cidade do Brasil a libertar seus escravos.
      Também fiquei sabendo mais da história da escravidão.
       Na cidade era tudo muito preservado, era um orgulho prá todos, por Redenção ter sido a primeira cidade no Brasil a libertar seus escravos .
   A casa em que eu morava tinha pertencido a senhores, possuidores de escravos, daí o tronco e as correntes.
      Em Redenção vivi os anos mais felizes de minha vida!
     Até Rainha fui!
     Era uma festa da Igreja, concorriam dois partidos, o azul e o vermelho, havia, então, duas candidatas, uma de cada partido, quem vendesse mais votos seria eleita a Rainha, no caso, fui a vencedora. Fui coroada pelo Prefeito em uma festa que compareceu, além da Comunidade, as autoridades locais.
    Nessa adorável cidade também fiz minha Primeira Comunhão, aos pés da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima que estava andando por todo o Brasil, foi um dia que ficou gravado para sempre em minha memória, além do Sagrado momento de receber Jesus na Hóstia Consagrada, no instante que a Imagem era posta no Altar veio a notícia do falecimento de minha melhor amiga .
    Foi um momento de dor e alegria. Foi um misto de emoção nunca em minha vida, até hoje, vivido.
    Por isso, esse  prazer em deixar aqui registrado esse relato da MUDANÇA, que mudou e marcou para sempre, minha vida.

VERA(meninaromântica)

 
MENINAROMANTICA
Enviado por MENINAROMANTICA em 19/01/2014
Reeditado em 06/07/2017
Código do texto: T4656073
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.