O Baile...

Era um sábado de 1978. Não se sabe se de abril ou de maio, se de junho ou de julho... Sabe-se apenas que era sábado, que fazia muito frio no hemisfério sul, que alguém celebraria quinze anos, e que haveria muitos casais e promessas de amor perfumando o ar...

Na verdade, era para ser apenas mais um dia do calendário acadêmico da turma da oitava série ... Mas não seria um dia qualquer, pois, à noite, na casa de Sophia, haveria mais um bailinho, daqueles que tanto empolgavam as meninas e os meninos do colégio. E ainda seria escolhida a nova rainha da primavera...

Aos poucos, trajando o que de melhor havia em seus guarda-roupas, animados e descontraídos, eles e elas chegavam em pequenos grupos.

Casais e eternas promessas de amor preencheriam o salão ao som dos hits românticos da época...

(...) Que bom!!! Que bom que ela veio!!!! A garota, com quem, em silêncio, costumava sonhar, e até ousava trocar alguns olhares furtivos durante o recreio, também havia sido convidada. E ela estava mais linda do que nunca naquele conjunto preto de camurça, cílios postiços e nos lábios um suave batom cor de vinho... De salto alto, fazia-se menina moça, quase mulher. Ele, acostumado a vê-la de uniforme; saia plissada azul, boina vermelha, sapatos pretos e meias três-quartos, quase não a reconheceu...

Sempre que ele se aproximava, ela, talvez por timidez, insistia em fingir que não o via; virava-se e continuava a conversar animadamente com as coleguinhas da sua classe.

Só lhe restava aguardar a próxima música, que deveria ser lenta pra que ele pudesse encorajar-se e, então, finalmente, a tiraria para dançar...

(...) Quem dera agora toque “Je t’aime...”, pensava ele com os seus confidentes botões...

Aí, então, ele a convidaria para dançar... E se ela lhe desse a honra daquela dança, ele pegaria a sua mão e, com todo o cuidado, a conduziria até o centro do salão. Com o outro braço, a envolveria pela cintura, e, aí, já bem pertinho, poderia sentir o seu aroma, e até quem sabe, o pulsar do seu coração de estudante...

Quase onze horas quando, finalmente, vestiu-se de coragem e a convidou para dançar a canção dos Beatles que falava de um ontem qualquer...

Tremeu ao tocar a sua mão. Mais sem jeito ainda ficou ao sentir o seu pé sobre o dela.

“Perdão. Desculpe-me, foi sem querer... Confesso que jamais me senti assim, tão tenso, sem saber onde pisar e o que dizer...”

Amável e compreensiva, ela parecia também sentir todo o constrangimento que, naquele momento, dele se apossava...

Logo, ele teve o rosto tomado por um indisfarçável rubor, as mãos ficaram trêmulas, e as suas pernas já denunciavam certa dificuldade para se movimentarem...

“Tudo bem. Não foi nada, não. Não se preocupe.”

Ouvi-la pronunciar o próprio nome, seria como um prêmio, um bálsamo para os seus apaixonados ouvidos...

“Você ainda não me disse o seu nome...”

Ela, então, sussurrou-lhe, “Elena”, e completou, “Elena sem agá.”

Depois, já mais descontraída, falou-lhe da sua classe, das melhores amigas, das provas do segundo bimestre, e, por fim, revelou-lhe que queria ser médica...

E ele, também, bem baixinho, disse-lhe que (sic) querer é poder, e que um dia ela chegaria lá. Falou-lhe ainda que o tempo era o mais sábio dos mestres, e outras frases feitas que até a adolescência aprendera...

Com tristeza lembra-se de uma insensata e insistente buzina que, lá da rua, sem a menor cerimônia, atravessava o ar e invadia a noite, maculava a melodia. Um tanto sem jeito, viu-a logo tentar afastar-se ...

“Preciso ir. A minha mãe chegou.”

“Mas a música ainda não terminou,”, contra-argumentava ele, que, na verdade, só queria eternizar aquele momento único, mágico, indescritível...

Sem saber como se despedir, Elena fugia-lhe, indiferente à nova canção, que ainda deitava pelo ar os primeiros acordes de um solitário saxofone...

“Ah! Você ainda não me disse o seu nome,”

“Cristiano.”

“Pelo menos, já sabemos quem somos... Se depender de mim, não vamos mais nos perder, Cristiano...”, falou-lhe Elena, equilibrando-se no seu salto Luiz XV...

(...) Que bom seria se todos os dias, fossem dias de baile..., pensava Cristiano, enquanto Elena se afastava abrindo caminho entre outros casais...

Lá fora, a impaciente e insensata buzina insistia, (biiii... biiii... biiii... biiii...) parecia incomodada, apressada, querendo pôr um ponto final naquele raro momento de felicidade adolescente...

Enquanto isso, Cristiano, novamente a sós, sem saber o que fazer, aproxima-se da mesa de “comes e bebes”, pega outra “cuba-libre”, e, esconde-se atrás de um pilar, onde ninguém o pudesse ver... Ninguém ali, por mais íntimo que fosse, tinha o direito de saber da imensa solidão que, naquele momento, dele se apossava...

Era como se de repente, todos os assuntos tivessem se esgotado, como se a eletrola tivesse quebrado, como se todas as luzes estivessem novamente acesas e o salão, de uma hora pra a outra, tivesse ficado vazio...

(...) Talvez hoje, a doutora Elena nem se lembre mais daquele bailinho, e do tímido Cristiano, que, por sua vez, não teve tempo de lhe dizer que pretendia estudar no ITA (1), e, quem sabe um dia, já formado, viajaria para Houston no Texas, onde, depois de exaustivo treinamento, (...) poderia até vir a ser o primeiro astronauta a levar a bandeira do Brasil a alguma estação orbital internacional...

(...) Como ambos sempre foram bons alunos, e bastante determinados, é até possível que tenham atingido os seus objetivos...

A verdade é que, depois daquele dia, Elena e Cristiano jamais se tocaram. Viam-se, quando muito, de longe a longe e à distância no recreio da escola...

Talvez hoje, depois de tantos anos, Elena e Cristiano estejam apenas na lembrança um do outro... assim como a tal canção que cantava um ontem qualquer, no qual todos os problemas pareciam distantes, em que o amor era apenas mais um passatempo inconsequente, um jogo fácil de se jogar, enfim, um ontem no qual os seus corações de estudantes sempre acreditaram...

(1) Instituto Tecnológico da Aeronáutica.

FIM

Conto de Zizifraga

Janeiro de 2014.

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 10/02/2014
Reeditado em 10/02/2014
Código do texto: T4685828
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