O sabor de (pão de) cada dia

Fazia frio. Mais do que fazia normalmente nos comecinhos da manhã. O cobertor parecia-lhe pouco, o vento batia forte, gelado, parecendo algo sólido. Isso lhe obrigou a se levantar mais cedo do banco da parada de ônibus que a muito servia-lhe de cama. Antes até de aparecer a primeira pessoa, primeira luz ou outros sinais que evidenciassem a existência de algo. Andou, teve que esperar até o horário de abrir a padaria para então poder tomar seu café com pão na chapa, dado diariamente por seu Alfredo.

Nesse meio tempo, muita gente dormia, muitos acordavam para o despertar de uma nova esperança, aquela que fazia com que as coisas, diariamente, acontecessem.

Enfim, seis da manhã, hora de saborear o café, hoje mais doce e o pão na chapa quentinho. Momento bom do dia.

Agora caminhava pelas ruas sem destino, sem horário, mais com umas tantas outras coisas consideradas irrelevantes por quase todas as pessoas, indefinidas por ela mesma, mas que ali estavam e motivavam aquela caminhada.

Era olhada como se fosse alguém sem qualquer sanidade, como se fosse diferente do resto das pessoas, quase como se não fosse também uma pessoa. Ela já sequer se importava, não tinha porque se importar.

A sanidade não lhe fazia falta, aprendera a se contentar com a simplicidade do que lhe restara. Aprendera a se confortar com o quentinho oferecido pelo seu cobertor, já tão velho e sujo, o café com pão oferecido

matinalmente por Seu Alfredo, algumas moedas que lhe eram dadas e que ela gastava com cigarros, mais tarde uma marmita, vez ou outra uma “branquinha” e um luxo que ela se dava vez ou outra e sabe-se lá de onde tirou, que era consumir chocolates. Logo chegava o pôr-do-sol e tudo era tomado por aquele arrebatador alaranjado que tanto lhe emocionava, ela com seu pouco - e talvez por isso - discernimento.

Sentia aos poucos o tempo esfriar novamente, o movimento de pessoas cada vez menos intenso, consequentemente tudo era tomado pelo silêncio.

Demorava um tanto até o sono chegar. Todos os dias admirava-se de quão bela era a vida. E sabia que valia a pena mais um dia. E ria, dava gargalhadas, não se acostumava com toda aquela beleza que tantas sensações lhe traziam a ponto de agir com indiferença. Não continha sua admiração e por isso era vista como insana. Como poderia se importar com isso diante da grandiosidade de todo o resto? Ria-se.

Luciana Caroli
Enviado por Luciana Caroli em 18/02/2014
Código do texto: T4696137
Classificação de conteúdo: seguro