Moralidade imoral
Tudo é precioso para aquele que foi, por muito tempo, privado de tudo.
Friedrich Nietzsche
Luis empurrou o carrinho com a bagagem e atravessou a porta de entrada do aeroporto que estava lotado, em véspera de feriado de carnaval, a esposa Márcia e a filha caminhavam a sua frente, sem correr, passos de majestade, a sensação de Luis era felicidade, uma dor fina na barriga e uma sensação de bem estar, aproveitando a nova fase da vida.
Para Márcia tudo foi como um renascimento. Ela realizava o sonho da estabilidade, sentia agora em plenitude a força do marido, sentia-se segura para cuidar da filha.
A pequena Letícia corria alegre, afinal o destino era Disneylândia, para ela a vida nunca foi tão colorida.
-Pai, você esqueceu o Lolo – disse Letícia segurando aflita a mão do pai, o ursinho havia ficado no carro.
Márcia voltou dois passos beijou o marido e pediu.
-Pode pegar o Lolo, meu bem? – Disse e pegou o carrinho – espero você no café, estou louca para tomar um café.
- Tudo pelo Lolo , eu acho que esse ursinho é mais querido que eu nesta família– disse Luis sorridente, fez meia volta para pegar o ursinho.
Sua felicidade estava completa, a vida é uma luta e pela primeira vez tinha um momento incrível, andava sonhando acordado com aquela sorte repentina. Diferente de dois anos atrás: seu pai doente, sua filha com asma, Márcia trabalhando de empregada em um salão e ele desempregado, tudo desmoronando, Márcia saiu de casa, depois de um briga, foi para a casa da mãe dela, casal sem dinheiro é instável.
Saiu do aeroporto em direção ao estacionamento quando encontrou com ele, o que o filho da puta estava fazendo ali?
-Feliz amigão, feliz por destruir a vida de um amigo? – Perguntou Alberto – dá pra ver o seu sorriso aberto, vi você saindo do carro, mas estava com a Márcia e a criança, deixei passar, não queria confusão, meu assunto é só com você, não queria que a menina participasse dessa briga.
-Olha Alberto...
-Olha porra nenhuma, lembra quem chamou você para a empresa?Eu te dei o emprego, eu conversei com seu Roberto, eu falei do seu potencial, eu ensinei o trabalho que só eu sabia fazer, pois você precisava,você estava todo fodido, então você me traiu!Cara? Você traiu um amigo?
-Espera - tentou argumentar Luis.
-Espera?Você tem que me ouvir...Eu pedi segredo e mesmo assim você contou tudo para o seu Roberto,o filho da puta preconceituoso e dono da empresa, um segredo meu – Alberto tentou imitar a voz de Luis que era meio rouca – “o Alberto é um veado ”, foi isso que disse? O velho é um moralista, só podia tomar a decisão que tomou. Você sabia que ele colocaria você no meu lugar, e conseguiu o que queria – Alberto chorou e soluçou, descontrolado tremia, aquilo deixou Luiz confuso, não sabia se tinha pena ou nojo, não gostava de homens descontrolados , mesmo nos piores momentos sofreu calado, continuou ouvindo Alberto calado e pensando no que diria de uma vez por todas– dei o emprego pra você porque o seu irmão pediu e porque conheço você esse tempo todo, nunca passou pela minha cabeça que faria esse jogo sujo comigo...
-Você está culpando o cara errado, se as circunstancias me favoreceram eu não posso ser punido por isso, francamente Alberto, não sou seu amigo, nem sei se aprovo essa coisa que você tem com o meu irmão, o meu patrão perguntou pra mim uma coisa que ele já sabia, testou a minha lealdade, não podia perder o meu emprego. – disparou o alarme do carro e abriu as portas, então finalizou - Você se expos, você foi trabalhar com um chefe declaradamente homofóbico, não vou assumir essa culpa. – Luiz sustentava o olhar, tudo queimava dentro dele.
-O problema... – Quando Alberto falava Luiz mostrou com o olhar que Márcia e Letícia se aproximaram, surgindo do nada como fantasmas...
-Que problema? Que está fazendo aqui Alberto? – Perguntou Márcia.
-Não, nada, estou de saída... – Alberto saiu, porém Márcia viu os olhos do namorado do irmão de Luis.
-Qual é o problema Luis? – Disse Márcia e completou – o cara está no bagaço, o que aconteceu?
-Sei lá Márcia, coisas de gente assim – Luis olhou para filha quando falava - não vou falar na frente da Letícia – abriu a porta do carro e pegou o Lolo, entregou a filha - aqui o fofinho, vamos querida? – ela abraçou o urso e balançou a cabeça concordando com o pai
-Aquele seu irmão não tem jeito – disse Márcia em voz baixa.
Luis olhou para trás, porém não viu Alberto, voltou o seu olhar para a entrada do aeroporto, respirou fundo e sorriu.
-Acho que vou querer aquele café – disse Luis.
Por JJ DE SOUZA