TODA UMA VIDA

Ela se olhava no espelho de um jeito que não fazia ha muito tempo. Analisava com cuidado cada pedaço de si mesma. Os olhos não tinham o mesmo brilho, a pele – aquela pele de pêssego – mostrava rugas e marcas de expressão.

Ela estava nua, tinha acabado de tomar banho, e soltou a toalha por um instante. Reparou que os seios perderam um pouco a firmeza, a barriga parecia lutar em vão contra a gravidade. Percebeu que a cicatriz da cesárea ate desaparecera com o excesso de gordura. O umbigo não era mais esticado, parecia um buraco no meio daquela coisa toda branca e mole. Os braços ela não quis olhar, porque morria de vergonha deles. As coxas acumularam durante anos uma considerável federação de celulite. Preferiu não virar de costas e ver o que aconteceu com o bumbum.

Ela parecia tão triste, seus cabelos secavam naturalmente meio sem forma, tão diferente do liso escorrido que costumava ser. E o castanho escuro, com leves tons de cobre, assumiu cinzas e brancos que ela tentava esconder com a tintura.

Pegou um lingerie cor-de-uva da gaveta, daquelas que guardava para ocasiões especiais com o marido, e vestiu. Uma calcinha rendada e um sutiã bordado que sustentava bem os seios. Ateh pensei ter visto um esboço de sorriso quando ela se viu com o sutiã. Abriu o armário, pegou um cabide com um vestido comprido e colorido que parecia estar la ha muitos anos. Vestiu e procurou um sapato. Hoje ela queria sapatos de salto alto. Foi ao quarto da filha adolescente e pegou uma sandália dourada, altíssima. Ela nem lembrava mais como era se equilibrar. Bamboleou um pouco sobre o carpete, mas assumiu o posto novamente.

Voltou para o quarto, abriu uma caixa com tanta maquiagem… ela nem sabia se estavam vencidas ou não, mas se maquiou. Passou pó, blush, uma sombra fininha azul e um delicado batom rosado. Completou com um colar de perolas, ate que bem bonito, não era nem um pouco antiquado. Passou seu melhor perfume e respirou fundo. Decidiu olhar-se no espelho mais uma vez.

E dessa vez, eu juro que vi um sorriso. Ela estava linda. Já passava dos quarenta, sim, tinha rugas, flacidez, celulite, gordura localizada. Mas ela era só uma menina, a mesma menina que um dia teve quinze anos e tudo aquilo parecia tão fresco. Era só uma menina e as marcas de expressão eram apenas marcas de muitos sorrisos, talvez alguns choros inconsoláveis e gargalhadas inesquecíveis… eram rugas que realmente expressavam o que ela tinha de mais bonito: toda uma vida.

BiancaB
Enviado por BiancaB em 07/03/2014
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