Minhas lembranças...

É engraçado como nossa memória seleciona as coisas que quer manter. Ainda me lembro claramente de uma panela de sopa de mandioca que minha irmã, Sueli fez, quando eu tinha uns cinco ou seis anos. Me lembro da cor e textura da sopa, também me lembro da grande panela de alumínio batido, com alças de madeira que rodavam, onde a sopa borbulhava...

E me lembro dos frios invernos paranaenses e de como esquentávamos pão dormido na enorme frigideira cascuda que soltava tinta preta no pão. Eu achava que a coisa mais gostosa do inverno era o gostinho esfumaçado daquele pão.

Me lembro também da sensação que experimentei, ao ler em um gibi o personagem assistindo um belo nascer do sol. Foi então que minha curiosidade e imaginação sonhadora foi despertada e decidi ver, eu também, o sol nascer. Eu acordava cedo, bem cedo, antes do resto da casa, mas nunca antes do nascer do sol; e com aquela surreal sensação de que era uma hora mágica, descia os degraus da cozinha alta de madeira, e caminhava quase sem respirar, na suave claridade do dia que começava. Invariavelmente encontrava o único ser humano acordado aquela hora da manhã, já pegando água na torneira comunitária, enchendo seu grande e amassado balde. Era dona Emília, uma negra velha, tão velha que vivera a escravidão. Ela me saudava com seu sorriso de gengivas roxas e dentes bem brancos.

_ O sol já nasceu dona Emília? Perguntava, na esperança de ter acordado cedo o suficiente.

Ela então respondia:

_ Já nasceu sim menina!

E se ia com o balde na cabeça, com seu lenço amarrado em forma de turbante na tentativa falida de conter os bastos cabelos encaracolados.

E eu ficava parada frustrada olhando seu rebolado carnudo. Mas me perguntando se ela tinha razão, e se o nascer do sol já tinha mesmo acontecido. Afinal aquela sensação de silencio e umidade do dia era tão boa, que devia ser assim mesmo o despertar do sol.

Rosahoney
Enviado por Rosahoney em 14/03/2014
Reeditado em 08/10/2021
Código do texto: T4728411
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