Contratempo.

O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que têm medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno.
Henry Van Dyke



                -Quanto tempo está aqui? – disse ele tirando o óculo escuro, era baixo para os padrões dela, nem bonito nem feio, um tipo comum, pouco acima do peso, sorriso fácil e um ar aristocrático.
                -Dois meses – ela disse ajeitando o cabelo, castanho, curto que não escondia o rosto expressivo, magra de lábios intensos, lembrando uma musa do cinema – e você?
                -Eu, nem sei se vou ficar, comparando com você, acabei de chagar estou há uma semana na merda... -ele assoviou - dois meses? Em um lugar igual a esse? Muito foda você, parece que está indo bem. – Jéferson sentou ao lado delapara tomar café, estavam na cozinha – eu não, trouxe até uma quantidade comigo – mostrou a droga – não estou preparado pra ficar sem "ela", aqui tem pastor, médico, essa frescura toda, chato, muito chato, minha vida é assim nega, não acredito nessa fabrica de felicidade, pra mim a felicidade é a quimica.
                -Você tem a parada?Porra, aqui dentro? – disse ela sorrindo.
                -Não se anima, é pra mim, você está bem, não sai da linha, continua a tua vidinha de recuperada, já tem dois meses.Emuita coisa...Como consegue?
                -Já entrei e saí várias vezes dessas clínicas, conheço todas pelo nome, você têm que ter alguém, alguém que te ajude, é difícil, muitas idas e vindas, vinte e nove internação, eu sei que dois meses não são nada, puta que pariu! Nem acredito que você têm a parada? – ela disse e pegou um pedaço de pão.
                Ela tinha um livro ao seu lado José Eduardo Agualusa, ele achou legal, um autor que ele curtia, pensou em uma frase dele: “O Amor é um Acidente, uma Renúncia, um Hábito, uma Maldição”.
                -Lê José Eduardo Agualusa? – Perguntou ele.
                -Não, nem conheço, olhei na contra capa e achei o escritor bonito, então decidi ler, a gente tem que escolher o livro por algum motivo – ela disse e colocou o café, suas mão tremiam levemente, ele podia sentir no ar o perfume.
                -Cada um com a sua doideira, ninguém liga pra porra de livro nenhum, todo mundo só quer saber de foder, comer e viajar. – Falou ele.
                - Gosto muito mais de alpinismo – ela sorriu e simulou um gesto de alpinismo.
                -É um bom autor...
                O telefone celular tocou, ela fez um gesto de silêncio.
                -Meu marido, eu preciso atender.
                Ele quis se afastar ela segurou o braço dele, para que esperasse. Desligou o telefone e falou.
                -A porra do meu marido liga sempre pra me falar de Deus e me passar um sermão, dessa vez fiz uma merda grande – disse sorrindo – é que fiz uma tatuagem na bunda, ele é careta, achou que não devia ter feito.
                Conversaram um pouco mais, ficaram até tarde sentados na cozinha, foram para a cama juntos, ele estava com a esperança renovada, quem sabe achou alguém? Lembrou de outra frase do autor angolano: "Nós tendemos a acreditar que aquilo de que nos recordamos realmente aconteceu e não pomos em causa e somos, em grande medida, aquilo de que nos lembramos. E a verdade é que muitas coisas de que nos lembramos na realidade não aconteceram ou não aconteceram exatamente assim. Portanto, até certo ponto, nós próprios somos uma ficção, uma mentira" .Será que Jeferson seria salvo pelo amor? Todos aqueles anos tudo que precisava era alguém para amar?
                Quando acordou ela estava no banheiro, despida drogada. Ela havia roubado a droga? Olhou para o sangue jorrando da sua cabeça, Lucia havia caído e batido a parte posterior e abriu um corte, na região da nuca.
                -Lucia – ele chamou – o que aconteceu?
                -Caí...
                -Você achou a minha droga?
                -Cocaína danada de boa, não consegui parar – ela fez um gesto com a mão – tudo meu está paralisado,  chama meu marido, por favor, aconteceu uma merda aqui cara, se meu marido souber que foi a tua droga que eu usei ele te mata, chama a emergência e some.
                Jéferson foi até a cômoda colocou todas as suas coisas em um saco e fugiu, nunca soube dela, nunca.
 
 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 16/03/2014
Reeditado em 16/03/2014
Código do texto: T4731419
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