DO ALTAR PARA A CADEIA

Manhã de inverno na vila tem sempre gente na pracinha esquentando sol. Como Juca e Jeca.

Aposentados, sempre interessados no que vai pelo mundo, Juca acompanha o que acontece vendo noticiários na televisão e Jeca ouvindo as novidades pelo seu radinho de pilha.

Sentados no banco do jardim, repassam diariamente as notícias do momento.

JECA – Cumpadre, a coisa anda feia pras banda da Argentina ! Ce ouviu que prenderam o Menem?

JUCA - Pois é. Imagina que o homem tinha acabado de casar, ainda tava no gostinho da lua-de-mel, aí vem a ordem de prisão. Que coisa, hein?

JECA - Também, pudera, o homem parece que andou fazendo uma venda de armamento do governo. E o dinheiro da venda ninguém viu.

JUCA - Óia, isso não é caso só de prisão, não. Cê tá vendo o que tá acontecendo na Europa, onde era a Iugoslávia? A guerra lá acontece por causa do comércio de armas. É pior do que o tráfico de droga.

JECA - Voltando ao caso do Menem. Ocê viu só? Ele tá numa prisão domiciliar, porque tem mais de setenta anos. Que privilégio, hein? Mas não tá tão ruim assim, pois casou com uma mulher que tem a metade da idade dele!

JUCA - E além do mais, tá confinado numa chácara na cidade de Dom Torcuato, pertinho de Buenos Aires. Com todas as regalias. Mas dizem que, quando era presidente da Argentna, ele montou uma verdadeira quadrilha que contrabandeou armamentos do seu país para Equador e Croácia. E que essas armas foram parar nas mãos dos guerrilheiros da Colômbia e naquela confusão de pequenos países que se separaram da Iugoslávia.

JECA - Até o Maradona deu seu palpite. Disse que todos os eleitores parecem estúpidos.

JUCA - Pra mim, isso tudo aí é coisa de político. Como ele perdeu a eleição, mas teima em ser candidato, os adversários querem acabar com ele. De qualquer jeito.

JECA - Aqui no Brasil também é assim.

JUCA - Chamam isso de democracia.

JECA - E o povo, feito bobo, vota nesse, vota naquele, acha que um é diferente do outro. São tudo farinha do mesmo saco. Óia, cumpadre, se botasse os políticos todos dentro dum saco e jogasse no rio, o prejuízo maior seria do saco.

JUCA - Pois é. Agora, veja só a situação em que os políticos da Argentina meteram o País. Num faz nem vinte anos, o país era uma beleza, produzia e exportava, tinha divisa. Vendia carne e trigo, produzia seu petróleo. Aí entra uma cambada de ladrão e arrasa o país.

JECA - Acho que tem a ver com esse tal de Mercosul. O Brasil também tá enrolado nessa crise da Argentina, pois o presidente FHC teima em querer a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e até o Chile, tudo atrelado ao Brasil.

JUCA - Num dá certo, mesmo! Óia só as diferença. A Argentina nas garras dos ladrões. O Paraguai é o paraíso do contrabando. O Uruguai num fede nem cheira, mas tem um uma lei boa pra lavagem de dinheiro. O Chile, que é o melhorzinho, está do outro lado, sua abertura é para o Pacífico. Querer botar esses países tudo debaixo de uma lona, é como armar um circo. Tem palhaço, tem malabarista, tem mágico e tem o dono do circo, é claro!

JECA - Corre tudo por conta da tal de globalização, né mesmo?

JUCA - Claro. Aliás, essa é outra palavrinha mentirosa. Outro nome para “colonização”.

JECA - Pois é. Ocê já parou pra pensar, cumpadre? Com a tal de globalização acabou-se qualquer diferença na governança dos paises? Até a União Soviética foi pulverizada, hoje tá lá a Rússia e aqueles países, que antes eram satélites comunistas, agora são tele-dirigidos pela economia capitalista.

JUCA - Cê tem razão. Até a China está sendo obrigada a entrar para essa tal de globalização. Aliás,os chineses tão tirando uma grande vantagem, tão inundando o mundo com seus artigos baratos. Tem muita indústria aqui no Brasil que não tá agüentando a concorrência.

JECA - Ouvi dizer que os artigos importados da China são baratos porque lá tem um regime de trabalho que é uma verdadeira escravidão. Os trabalhadores são tratados pior do que escravos. Será verdade, cumpadre?

JUCA - O povo aumenta mas num inventa. Acho que os chineses todos levam uma vida de escravidão. Mas o pior de tudo é que na China não tem nenhum controle. Eles usam operários escravos até matá-los, usam os recursos naturais até acabar com tudo. Os rios da China ou tão secando ou tão mortos. As fábricas despejam produtos venenosos na atmosfera, envenenando o ar da Terra.

JECA – Por falar nisso, cumpadre, que papelão tá fazendo o presidente dos Estados Unidos ! Não quer saber de controlar a poluição do ar no seu próprio país. Não assinou o acordo de controle de fumaça das indústrias e dos carros. Como se tivesse fazendo um favor para o mundo.

JUCA - Mas o povo votou nele, agora que agüente.

JECA - Ô Juca, mas ocê ainda acredita nessa tal de votação? Cê é besta, sô. É tudo uma mentira. Num viu a confusão que deu no fim das eleições, na Flórida? Foi uma manipulação total, enganaram até mesmo os próprios americanos, um pessoal que se diz tão esperto.

JUCA - É, cê tem razão. Aliás, reparando bem, só aqui na América do Sul nós temos bons motivos para descrer no que os políticos chamam de democracia. No Peru foi aquela do Fujimori: fugiu com o ouro para o Japão. No Brasil, tivemos o Collor, a maior enganação de todos os tempos: foi cassdo. Agora temos essa “coisa” que é o FHC. Parece até nome de inseticida: FHC, BHC. Na Argentina, foi o Menem: saiu do altar para a cadeia. Todos eleitos pelo povo. Que coisa, hein?

JECA - Se ocê prestar atenção, tem aí uma coisa em comum a quase todos eles. Tanto o Fujimori quanto o Menem e o FHC foram re-eleitos. Isto quer dizer que os bandidos tomam o poder, depois manipulam para permanecer governando. Se o povo descuidar, os políticos vão permitir que FHC seja re-eleito em 2002.

JUCA– Deus que nos livre-e-guarde! Vira essa boca pra lá!

JECA - Em resumo: os que são “eleitos democraticamente” acabam virando ditadores virtuais. Cê já notou como o Brasil tá sendo governado? Num tem mais leis, não. É só na base das medidas-provisórias, os deputados e sendores só fazem politicagem. Pra qualquer coisa, é o presidente que manda uma medida-provisória> Que, na verdade, é um decreto definitivo. Doa a quem doer.

JUCA - Mas, enfim, já que a gente não escolhe o lugar pra nascer, o remédio é ir vivendo como a gente pode, por aqui mesmo.

JECA - Óia, cumpadre, o papo tá bom, mas tenho de ir. A Maricada tá me esperando pro almoço, hoje prometeu de fazer uma panela de dobradinha, tou que num vejo a hora de manducar a dita.

ANTONIO ROQUE GOBBO

23 DE JUNHO DE 2001.

CONTO # 098 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 28/03/2014
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