A CAIXA

A CAIXA

Rô Mierling

Eles foram viajar. Adoravam viajar, trabalhavam praticamente só para isso. A mãe, o pai e o filho de sete anos. Uma família feliz e realizada. Com muitos planos e ideias, escolheram uma ilha afastada para passar o carnaval. A mãe, sempre previdente, sugeriu que saíssem de casa na quarta-feira de cinzas quando todos já estariam voltando, deixando de pegar o tumulto tradicional do carnaval.

Como pai e mãe eram autônomos, foi possível seguir a sugestão de mãe e na quarta-feira de cincas estavam todos prontos para seguir até a tal ilha. Não seria fácil, pois moravam no interior do Estado, mas tudo vale a pena quando é para viajar e se aventurar. Primeiro pegaram um ônibus com duas horas do trajeto até a capital do Estado. Depois um táxi até o aeroporto, malas, equipamento de fotografia, de pesca, uma verdadeira tralha familiar. Embarcam no voo até a capital do outro Estado onde ficava a tal ilha. Chegando ao aeroporto de destino pegam um táxi até a rodoviária, mais um ônibus de uma hora, descem numa ferrovia, pegam um trem que atravessa uma serra linda, mais duas horas de trajeto. Chegam à estação final, pegam um táxi e vão para o píer de onde saem os barcos para a tal ilha. Está mais perto do que nunca, todos empolgados, cansados, mas felizes, ficarão na ilha de quarta-feira até a segunda-feira seguinte, valerá a pena.

Chegam à ilha. A cabana que reservaram fica do outro lado da ilha que não tem estradas nem carros, só picadas abertas no mato. Contratam um rapaz para ajudar a carregar as tralhas. Tudo certo! Eles chegam à cabana, uma graça, tudo arrumado, meio mato meio mar. Foram dias maravilhosos, ninguém mais na praia, as cabanas vizinhas todas vazias, o plano da mãe de chegar no fim do carnaval deu certo, tinham a ilha praticamente só para eles. O pai, biólogo e amante das orquídeas e dos bichos, corria atrás de cobras, lagartos e flores, fotografando tudo. A mãe, com muitos livros, lia muito, observava os barcos no oceano, chegando e saindo em um porto próximo. O filho já corria pelado pela praia, assado entre as pernas de tanto rolar na areia e pegar sol, mas feliz, muito feliz.

De noite faziam fogueira assando salsinhas e contando histórias, sem deixar de limpar tudo na saída, afinal eles eram uma família ecologicamente correta. Em dado momento, chegou a hora de voltarem. A mãe começa a recolher as coisas, o trajeto de volta será o mesmo: barco, trem, ônibus e avião. Precisam empacotar tudo e arrumar as malas.

A mãe olha para o pai e vê que ele está preocupado, o filho também nota.

A mãe pergunta:

- Amor, o que houve?

- Nada – ele diz.

- Conta logo papai, sabemos que está preocupado - diz o filho.

- É que eu peguei umas mudas de orquídeas em algumas árvores para levar para meu orquidário – diz o pai meio sem jeito.

- E qual o problema? Sendo pequenas mudas não tem problema, eu acho – diz a mãe.

- É que não sei onde levá-las, afinal vamos passar pela revista no aeroporto e pode dar problema – diz o pai.

- Que nada amor, se são mudinhas, coloca na bolsa entre as roupas e pronto.

- Amor, acho que não dá – insiste o pai.

- Por quê? – pergunta o filho.

O pai então abre uma sacola de mercado daquelas grandes e mostra mais de quinze mudas de orquídeas diferentes, todas silvestres, formando uma pequena montanha de verde que dificilmente seria fácil de esconder. Todos olham espantados para as plantas em cima da cama e a mãe diz:

-É melhor deixar ai.

- Não, vou levar de qualquer jeito, deu o maior trabalho para subir nas arvores e tirar – diz o pai.

“Nada ecológico isso”, pensa o filho, mas diante do momento tenso, prefere nada falar.

- Eu tive uma ideia pai – diz o menino.

- Qual? – pergunta o pai.

Coloca tudo numa caixa de papelão e deixa que eu levo, vou fazer uma plaquinha, colar na caixa e embarcamos a caixa normalmente no avião.

A mãe, já com mil coisas para arrumar, deu o assunto como resolvido, virou as costas e continuou fazendo as malas. O pai, indeciso, pensou: “vou mesmo por as mudas numa caixa de papelão e no embarque do aeroporto eu me viro”. Tudo pronto! Começaram o regresso e depois de todos os trajetos, chegaram ao aeroporto e até o momento do embarque a caixa de mudas (mudas essas que a princípio nunca deveriam ter saído da ilha por serem consideradas nativas e raras) passou despercebida e com várias coisas para se preocuparem não haviam falado mais no assunto.

Chega o momento de despachar as malas, o pai então se lembra da caixa de mudas, a mãe fica tensa, a moça despachante de malas pergunta:

- A caixa vai embaixo ou em cima no avião?

Momento tenso. Um fiscal do aeroporto passeia por perto.

- E então senhor? A caixa vai ao porão ou vai como bagagem de mão?

O pai pensa: “Estou ferrado, se a caixa for ao porão vai amassar tudo, se eu levar como bagagem de mão, vão passar ela no raio x e agora?”

O menino vendo a tensão do momento grita (criança sempre grita):

- Não se preocupe pai, lembra que eu disse que faria uma placa para colocar na caixa para ninguém destruir ou amassar as mudas?

- Lembro meu filho.

- Então, eu fiz a placa, me deixa colocar na caixa, só um minuto moça - diz o menino para o pai e para a moça da companhia aérea.

Nesse momento, muitos passantes e fiscais do aeroporto já param para ver o que está havendo. O menino tira então do bolso uma placa de papel, pega uma fita adesiva no balcão da empresa aérea e cola na caixa a tal placa com os seguintes dizeres:

“FRAGIL! CUIDADO! PLANTAS ROUBADAS E DELICADAS!”

Rô Mierling
Enviado por Rô Mierling em 05/04/2014
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