INCONSISTÊNCIA

Nada que não tivesse solução. Aquele brilho no meio da escuridão estava um pouco dissonante e a proposta era de total harmonia e charme. Não, definitivamente não escolheria o mesmo estilo. Sabia que a semelhança entre si não lhes dava a razão para serem iguais.

Espreguiçou-se antes de remover livros, tesouras, retalhos de tecidos e papéis, e aquele peso do pensamento. Não tinha ânimo para nada, e pegar a bolsa, naquela hora e com aquele tom de voz como favor, pareceu-lhe muito subserviente...

Cumprimentou com apatia a pessoa que adentrou o recinto e nem sequer dirigiu o olhar a ela. Sabia de quem se tratava e da consideração a ela devida, mas estava realmente acomodada em seu nada-a-fazer e neste estado permaneceu. Lembrava que tinha coisa nova a ser assimilada. Os rumores tornaram-se notícias e os fatos já se tornavam famosos. Sabia que não poderia perdurar naquela misantropia inútil.

“Afinal, que utilidade pode haver em qualquer que seja a atitude humana, quando o mundo anda tão complicado, conturbado, enlouquecido? Caiu um avião, criaram um novo coquetel, reformaram uma casa e venderam-na com lucro de quase cinqüenta por cento”.

Por que não se tornar corretora – e vendedora – de imóveis? Veio-lhe à memória, nessa miríade de observâncias desfocadas, da necessidade de se atualizar quanto aos imóveis naquela localidade. Era-lhe iminente a mudança. Ares e horizontes que sempre lhe afetaram positivamente. Sabia dos riscos e das possibilidades. A única coisa que ainda não combinava com tudo ao redor era a esperança no cosmo.

Ora, ora... Esta não é mesmo uma época de heróis nem contos de fadas. Somente sua coleção de La Fontaine e de Manoel de Barros faziam uma combinação agradável a seus olhos naquele instante. E foi a eles que recorreu quando percebeu a inconsistência de seus pensamentos.