UM PRESO DE NOME TEREZA

Como consultor jurídico da Câmara Municipal de Bartira, assisti a uma quantidade grande de disputas pelo Poder.

A Prefeitura e Câmara não se entendiam, viviam em constante conflito, mas o povo que recolhe os impostos não podia entender o porquê.

Bartira é muito bonita, montanhas, riachos, fazendas, sítios, enfim toda uma natureza não desgastada pela ação do ser humano.

Estava certo dia na Câmara, quando o Kaká, vereador no Município me chamou e disse:

-Dr. Ely, um amigo meu e funcionário da Prefeitura, foi preso e levado para a cidade de Rochedo, pois aqui não tem cadeia, mas o cara não é bandido.

- Fez o que então? Porque cadeia é para criminosos- me pronunciei de imediato.

- O sujeito deixou de pagar pensão alimentícia.

- A princípio está “ferrado”, mas passo lá na cadeia para ver o que posso fazer, mas ele já tem advogado?

- Tem, mas passa por lá, as vezes o rapaz tá precisando de ajuda moral, disse o Kaká.

- Bom! Não entro em processo de colega.

- Vai só como amigo meu e dele, porque o sujeito pode estar necessitando de alguma coisa.

Fui eu para Rochedo, cidade vizinha, onde eu morava

e assim conhecia os inspetores de polícia da delegacia.

Lá chegando, procurei entrar em contato com o amigo do Kaká, fui autorizado e cheguei à carceragem para conversar com o rapaz.

Ele não estava dentro da cela, mas no corredor próximo dos presos e ouvia diversas “cantadas” dentre as quais:

-Carne nova no pedaço e que traseiro!!!!!

O sujeito estava até branco e desesperado, pois não era acostumado com aquele ambiente.

Pedi para falar com ele e fui de pronto atendido, perguntando-lhe:

-E aí, tudo tranquilo?

-Bom! Tranquilo não, porque depois destas que o senhor ouviu, ta difícil deixar de ter medo, pois se me colocam lá dentro, posso virar namorada dos presos.

-Calma! Isso não vai acontecer, vou pedir ao inspetor para te colocar em outro local.

-Doutor! Consegue isso pra me ajudar, que eu vou ficar eternamente grato ao senhor.

-Pode deixar.

Cheguei ao inspetor e dei-lhe uma “cantada”, claro que diferente, da que vinha sendo feita pelos presos no rapaz.

- Carlos -esse era o seu nome- o rapaz não é bandido não tem jeito de deixá-lo em outro lugar?

- Doutor! Vou esperar o delegado sair e vou levá-lo para o andar de cima, onde ficará seguro, longe dos “amantes” que já estão chamando o rapaz de Tereza.

-Te agradeço.

O pessoal já estava se divertindo com a situação do indivíduo.

Assim, cumpriu sua parte o inspetor Carlos, levando o desesperado para o andar superior.

Fui para minha residência na certeza de ter ajudado o rapaz e por isso poderia dormir tranquilo, mas voltaria no dia seguinte para ver como ele estava passando, como “hóspede” da delegacia de Rochedo.

Eu tinha certeza que o devedor iria arrumar o dinheiro para quitar a dívida, mas isso era com o advogado dele.

Chegando em casa, encontrei a esposa Silvia e os filhos Júnior e Cristina e contei a eles o que aconteceu.

Fui assistir umas notícias na televisão, em especial sobre as guerras no Oriente Médio, com conflitos na Síria, Egito, Líbano e outros países daquela região.

Teria um jogo do Fluminense mais tarde e com certeza assistiria para torcer pelo time do coração.

Sentei no computador para escrever algumas linhas, quem sabe um conto e ainda estudar e ler alguma coisa interessante na tela da máquina revolucionária, hoje essencial para o desenvolvimento intelectual do ser humano.

O jogo do “Flu” foi complicado, mas ganhamos com um gol aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, contra o Santos de Pelé, mas sorte que ele não joga mais.

Fui dormir, pois teria trabalho no dia seguinte.

Cheguei cedo ao escritório e contei para os colegas a situação da delegacia e todos concordaram que aquele ambiente não era para o rapaz, que tinha até um pequeno bar e trabalhava honestamente.

Atendi vários clientes com diversos problemas, mas nenhum em pânico, como o prisioneiro da delegacia, por não ter pagado em dia a pensão alimentícia.

Fui ao colega Gildésio, isso mesmo este era o nome dele, mas para os íntimos Gigi, quando contei a situação do rapaz, ele também riu muito do ocorrido, mas falei para ele:

- É! Gigi você está rindo porque não é contigo, deixa tua mulher pedir pensão e te colocar atrás das grades, aí você me conta se é bom.

-Bom dr. Gordon, digo dr. Ely -já para mexer comigo- vem cá, primeiro que eu estou bem casado e adoro minhas filhas e segundo nunca ficaria sem pagar pensão.

-É bom mesmo, porque quem faria o pedido de prisão contra você era o seu amigo aqui.

-Calma, não fique nervoso, disse o Gigi.

Contei-lhe toda a história e fui para a delegacia ver a condição do preso, pois o Kaká já havia me ligado, preocupado com seu amigo.

Cheguei à delegacia e tive a maior surpresa, o preso estava logo na entrada, conversando amistosamente com os detetives no plantão. Disse então sem entender o que estava ocorrendo:

- O rapaz já conseguiu um alvará para sair daqui?

- Doutor, não conseguiu ainda não, mas por ele não ser nenhum indivíduo perigoso, deixamos ele por aqui, para evitar que seja engolido pelos presos. -Disse o inspetor Carlos.

-Carlos, você tem alguma notícia do advogado dele, com relação ao alvará de soltura?

-Dr. Ely, ainda não tive informação, mas me diz uma coisa.

-Se souber falo sim.

Então perguntou o Carlos:

-Este indivíduo está preso por não pagar pensão alimentícia, correto?

-Sim.

-É verdade que vai daqui, para o cartório para casar com outra?

-Verdade.

-Doutor daqui ele não sai, disse o Carlos.

-Mas por quê? Disse eu dando corda para a brincadeira.

-Esse condenado está aqui preso, por causa de pensão alimentícia. Vai acabar casando e depois voltar preso por novo pedido de pensão da esposa.

-Será! Talvez não, pode ser que tenha encontrado a pessoa certa e viva feliz para sempre, opinei.

-Não acredito, esse “cara” deve ser ruim de acerto, vai deixar outra na mão, prosseguiu o Carlos.

-Vamos dar um voto de confiança, quem sabe dá certo.

Quando estávamos sacaneando o preso, chegou nada mais nada menos que a futura mulher. Ela se apresentou e não teve jeito de impedir o comentário do Carlos:

-Aqui! Você vai casar com este indivíduo?

-Vou, gosto muito dele, disse a moça.

- Você sabe que ele está preso aqui, por não pagar a pensão alimentícia, não sabe?

-Sei.

-Mas e aí? Perguntou o Carlos à coitada da noiva.

-Ele vai ser um bom esposo e também vai manter o filho que já tem até ele completar dezoito anos.

-Bom! Sendo assim sejam felizes, completou o Carlos com bastante ceticismo.

Chegou à ordem judicial para liberação do rapaz, que assim foi solto, na certeza de que a experiência não foi muito boa.

Liguei para o Kaká e informei-lhe que o seu amigo, após me agradecer, por todo o esforço, já estava solto e se dirigindo para Bartira.

O Kaká falou-me que estava também muito grato, pela atenção que dei ao caso e que nos encontraríamos a noite, para a sessão da Câmara em Bartira.

Passados exatos dois anos recebi uma nova ligação do Kaká, me informando que seu amigo estava preso novamente, sendo assim lhe perguntei:

-Qual o motivo da prisão?

-Dr. Ely vê se advinha.

-Pensão alimentícia.

-Acertou, disse o Kaká.

-Deixou de pagar novamente a pensão do filho?

-Agora fez pior que isso.

-Pior não tem jeito, afirmei.

-Tem sim, agora está devendo pensão para dois filhos.

É! O sujeito é difícil, casou, separou e deixou a esposa com um filho de dois anos para ela cuidar.

Fui para a delegacia e encontrei novamente o Carlos e ele me disse:

-Doutor esse é o “cara” que foi preso há dois anos, por causa de pensão alimentícia?

-É, aquele que você avisou a moça, que estava casando com ele, que seria também obrigada a entrar com uma ação de cobrança, recordei.

Deixou claro o inspetor de polícia, que não aceitaria pedido de separação do preso dos outros encarcerados, que já estavam loucos para passar a noite agarradinhos, com o mais novo “hóspede”.

O Carlos lembrou da Tereza, nome que deram os presos ao rapaz, há dois anos e que por certo não lhe traria boas recordações.

Liguei para o Kaká e lhe disse que deixaria para o advogado do detido, resolver o problema, mas avisei que sua situação não era das melhores.

Descobri ainda que o “cara” estava tentando uma separação da atual mulher na Justiça, para casar com outra.

Assim fico por aqui, na certeza de que como disse Machado de Assis, com bastante propriedade: “QUEM CONTA UM CONTO...”1.

- “QUEM CONTA UM CONTO...”. Conto de Machado de Assis, publicado originalmente em Jornal das Famílias, fevereiro, 1873.

EMERSON BERNARDO PEREIRA, advogado, residente em Barra Mansa, Estado do Rio de Janeiro, formado em Direito em 1986, foi professor de eletrônica, estagiário de Direito na Defensoria Pública da Comarca, advogado do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Barra Mansa, Consultor Jurídico da Câmara Municipal de Quatis, Procurador Geral do Legislativo de Porto Real. Membro da Sociedade de Advogados Hércules Anton, curso de Pós Graduação em Direito Público, tendo participado ativamente da Lei Orgânica do Município de Barra Mansa em 1988, atual membro da Comissão de Cultura da OAB, sócio da ACAT – Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas, com militância na Justiça do Trabalho há cerca de 26 anos, hoje Coordenador Jurídico do SAAE/Barra Mansa e escritor autor do livro “VIDA EM IDAS E VINDAS” da editora LivroPronto –ISBN 978-85-7869-282 – São Paulo, 2011.

Emerson Bernardo Pereira
Enviado por Emerson Bernardo Pereira em 18/04/2014
Reeditado em 18/04/2014
Código do texto: T4773970
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