GOD SPELL

Ninguém conhecia mais de música do que o Alberto do sexto período. Não era um conhecimento teórico do tipo: a sexta menor é a nota que evidencia o modo eólio que é proveniente do modo menor natural. Não! Longe dessas loucuras. O seu conhecimento era mais enciclopédico. Do tipo que sabia que o Black Crowes era uma banda legal, mas que os caras imitavam na cara dura o The faces. Ou que ninguém da nova geração tocava mais slide guitar do que o Derek Trucks. E que o Renato Russo gostava muito da banda The Jesus and Mary chain – se tiver com dúvidas escuta o acústico da legião.

Poderia ficar aqui falando todas as coisas fantásticas que o Alberto sabia, entretanto, ao longo do texto mostro uma coisinha ou outra. Alberto parecia uma mistura do Gastão Moreira com o Regis Tadeu quando o assunto era rock. Quando a conversa musical ia para a black music – juro por tudo- parecia uma cópia mais nova do Ed Motta. Conhecimento colossal. O cara era o único que conhecia bandas como Sniper, Fates Prophecy, Firewinds, ou cantores como Taj Mahal, Shemekia Copeland, Jake Bugg. Ia pra faculdade ouvindo Wire e voltava escutando This Heat.

Todos se perguntavam como um cara tão jovem sabia tanto de música. Na verdade, quando criança passava horas ouvindo música com seu avô. Quando seu Manoel partiu, Alberto herdou toda coleção de Lps que iam de Genival Lacerda a Procol Harum. Além dos livros, ele ganhou, ou melhor, herdou pelo menos uns dez anos da revista Record Collections. Alberto devorou tudo isso durante sua infância. Cada momento ele ouvia um LP diferente. No ensino médio foi um pouco complicado manter uma vida social. Enquanto a galerinha da sua idade ouvia umas coisas estranhas, Alberto mandava cartas e mais cartas detonando jornalistas que escreviam verdadeiras atrocidades musicais.

Na faculdade de jornalismo ele brilhava. Não tinha pra ninguém quando o assunto era música. Todos ficavam embevecidos quando ele começava a falar. Não era um discurso chato. Ele sempre falava de música com muita empolgação. Encontrara uma razão pra existir – me diga quantas pessoas que conheceremos na vida que vão ter um sonho, algo que as conduza? Poucas...

Alberto com seu discurso afinado, seus longos cabelos e com suas raríssimas camisas de bandas incríveis chamava a atenção de todos. Com as meninas não era diferente. Sucesso total. Foi quando esbarrou, num dia qualquer numa menina linda. Ela aproveitou para comentar que o conhecia das aulas, se não me engano-, História da Mídia impressa Do Brasil II. Alberto ficou sem saber e se perguntou como era possível nunca ter reparado naquela gata.

Amanda era a cara de Pattie Byod (pra quem não sabe Pattie foi a musa de George Harrisson, Eric Clapton, Mick Jagger. A eterna diva e sonho de qualquer rock-star). Isso deixou Alberto totalmente desnorteado. Em outros relacionamentos ele nunca se importou muito com aparência desde que as meninas fossem relativamente alternativas e gostassem de música.

Mas a beleza de Amanda era tanta que – pelo menos eu nunca tinha visto- o Alberto ficava tímido. Mesmo assim eles – quando se encontravam- conversavam por horas. Ela também era um fenômeno. Conhecia tudo sobre o Yardbirds, tinha lido o livro que o Nigel Williamson escrevera sobre o Led Zeppelin umas 100 vezes. Já não agüentava mais ver os shows de Jeff Beck das suas inúmeras viagens pra Londres. Alberto pensava: “cara, essa mulher é demais.”

Na primeira vez que eles ficaram ela estava usando uma camisa do Dead Kennedys. Alberto teve certeza que aquela garota era à

mulher da sua vida. Mas foi ela que o beijou e disse que a camisa que o Alberto estava usando – do mobilis stabilis- era linda e que por isso ela não resistira.

Durante semanas à cumplicidade, à paixão, e a amizade reinou absolutamente. Quando as aulas acabavam os dois iam correndo para casa de Alberto. Lá eles ouviam e se emocionavam muito ao som de Chrissie Hynde(Pretenders), Curtis Mayfield, les Paul, The Funk Brothers, Bo Diddley, Nile Rodgers, coisas do The Wrecking Crew além de Jimmie e Stevie Ray Vaughan. Eles tiveram certeza que nasceram um para o outro quando começaram a falar de literatura. Foi quando descobriram, pra variar, que ambos tinham lido tudo de Nick Horbny e Jack Kerouac. E não discordaram nem um minuto que o melhor filme que já assistiram era o High Fidelity.

Talvez eles não tivessem se dado conta, mas já eram namorados. Um dia, Amanda tava fuçando a coleção de Alberto e viu que ele tinha tudo sobre o início do movimento gospel. Lps e mais lps de bandas que originaram o estilo. Mas apesar de ser um fã incondicional de todo esse estilo sua grande paixão era uma banda brazuca: Oficina G3.

Amanda quando descobriu esse lado perguntou para Alberto se ele era evangélico. – “não, não tenho religião, mas sou apaixonado pelo som dos caras.” Alberto não percebeu a cara de desânimo de Amanda e prosseguiu falando que tinha todos os CDs da banda, que sabia todas as letras e que achava o guitarrista da banda – Juninho Afram- um verdadeiro talento.

Comentou que quando perdeu seu avô passou um longo período ouvindo Oficina G3 e que as letras começaram a fazer muito sentido. Falou também que como guitarrista ter descoberto o Juninho – guitarrista da banda- foi muito importante pra entender como um músico deve misturar feeling com virtuosismo.

Amanda arrumou uma desculpa e foi embora. Nos outros dias ficou meio ríspida com Alberto. Até que num dia qualquer depois de uma aula qualquer. Alberto teve a oportunidade de conversar com Amanda. Ela começou o papo perguntando se Alberto estava ouvindo muito Oficina G3. Ele tentou beijá-la, mas ela rapidamente esquivou. Foi quando Alberto teve o insight. Percebeu então que ela o estava ignorando por esse motivo. Logo perguntou: ”você está me evitando porque gosto de uma banda gospel?” – Disse o rapaz.

No primeiro momento, ela negou. Mas Alberto insistiu e ela ficou calada... Nesse momento, Alberto lembrou todos os momentos de alegria que viveu ao som da banda que tanto gostava. Aproveitou o momento - apesar de estar muito triste, e disse que estava tudo bem... Falou que gostava dela, mas entendera o recado. Parecia ser impossível, mas no fundo ele pensava que com um pouco de sorte poderia esquecê-la...

Foi quando virou as costas, respirou e foi embora pra sua casa ouvir Oficina G3. Ele tinha um bom motivo pra continuar ouvindo a banda. Uma das suas bandas favoritas...

Observação: God Spell por um efeito de corruptela acaba virando gospel, o nome do estilo. Música que fala de Deus é gospel, independente de religião...

Henrique S Moreira
Enviado por Henrique S Moreira em 19/04/2014
Reeditado em 21/04/2014
Código do texto: T4775247
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.