INSPIRAÇÃO

Souza, o cara perfeito, meio atarracado mas boa praça. Cadê a escada, Souza?

Sempre alinhado, com o uniforme engomado. Calça azul marinho e camisa azul clara com a logomarca do Condomínio. Mistura de Zelador e faz tudo, conserta tudo. Souza prá lá, Souza prá cá, da manhã até à noite.

Todos, no prédio e no quarteirão, eram acudidos pelo Souza, sempre sorridente e atencioso. Com a mulherada, pouco importando a classe social da fêmea, Souza era um gentleman. Abria portas, estacionava carros, ajudava com as compras e, após olhar para os dois lados, até segurava elevador. Vez ou outra, ia na padaria buscar pão para a Maria, do nono andar.

A Maria trabalhava há quase doze anos para a dona do apartamento, uma senhora alegre que saia muito para dançar. Nestas ocasiões o Souza sumia. Não tinha Souza para nada. O Souza trazia o pão e sumia pra dentro do quartinho da Maria. Só chamego, tudo coisa aprendida no cinema. A maioria gasta com cerveja, o Souza ia no cinema. Preferia sempre os românticos. Quando valia à pena e tinha muito detalhe, o Souza ia lá e ficava enrolando entre uma projeção e outra, para assistir mais de uma vez com um único ingresso.

Prestava atenção nas poses dos galãs, é claro. Gestos, postura e até algumas falas, curtas e bonitas, que ele decorava. Praticava com a Maria. Ela, encantada, chegava a levitar de tesão.

Quando a patroa saia, a Maria destrancava a porta de serviço com uma mão e soltava dois botões do uniforme com a outra mão. Maria era mais alta que o Souza, pouca coisa, mas o suficiente para não poder usar salto alto em público. Não ao lado dele. Todos no prédio sabiam, inclusive a patroa, mas mantinham uma distância discreta. E o Souza lá, fazendo as suas ora visitas, ora escapadas.

Um dia, Souza entrou no cinema, enganado por um título romântico que continha um trocadilho, que ele não entendeu. Logo na segunda cena o rapaz, que o Souza pensou ser o galã, agarra a mocinha e tirando a blusa já cai de boca nos seios. Essa cena, é claro, foi a mais leve do filme e o Souza enlouqueceu. Assistiu até ser expulso do cinema. Os zóio vidrado e o andar firme, como uma flecha, foi direto ao apartamento do nono andar e descabelou a Maria. A coitada ficou uns três dias sem poder sentar. Ele, foi demitido por justa causa, preso e enquadrado em diversos artigos do Código Penal.

Igual era na rua, foi lá dentro. Sempre prestativo, se deu bem com todos e logo estava palpitando na organização de crimes de toda espécie. Depois que saiu, acabou se especializando em estelionato e se a vítima valia à pena, acrescentava um atentado violento ao pudor. Suas vítimas, todas mulheres, eram escolhidas à dedo. Muita observação e meticulosa execução. Souza decorou umas poesias e parecia ter mél. Fazia o que queria com as mulheres e pessoas assim acabam atraindo a ira dos outros machos da espécie. Com o Souza não foi diferente e numa noite de verão, enquanto observava o movimento numa das esquinas da Rua da Moóca, Souza levou dois tiros a queima roupa. Caiu na porta do bar “e veio camelô vender anel, cordão, perfume barato, a baiana para fazer pastel e um bom churrasco de gato...”