Sonho de morte de Marinha

Marinha morreu de miséria.

Em uma tarde seca e ensolarada.

Morreu enrodilhada no piso de terra batida que servia de quarto, de cozinha e de espera por uma vida melhor.

No último instante viu a vida como sempre disse o senhor doutor espírita.

Se viu muito pequena de barriga grande sempre à espera de comida.

Depois se viu mocinha com laço de fita no cabelo ruim e vestido de chita.

Lembrou dos doces coloridos da feira e da missa de domingo e enquanto lidava com a terra seca quando já era mulher feita, lembrou de João.

Um frio na barriga a cada vez que via moço tão bonito.

E no filme que se desenrolava no último instante, viu também a despedida do amor que de para sempre durou quase nada.

A desgraça da cachaça com o companheiro que lhe quebrava os ossos e os sonhos veio em seguida.

Mulher feia, alquebrada, corroída por tanta pobreza e tanta tristeza. Já não se reconhecida.

Nas suas lembranças, era ainda a menina que corria nos pastos a brincar que seria rica e levaria vida de artista.

Nas suas memórias, morria de amores nos braços de João seu único e amado marido.

Mas o bicho danado da fraqueza nem ligava para o que ela sentia.

Corroía as entranhas, exauria a energia e matava devagar o corpo magro.

Marinha ainda lutou. Abriu as narinas em um espasmo instintivo para continuar respirando.

O ar entrou sôfrego, cortado; quase como um pedido de desculpas por não trazer conforto para ela que lutava com a morte.

E a morte veio.

Lenta, brincalhona, ora mostrando memórias de vida, ora alardeando que o tempo acabava.

Marinha morria do jeito que viveu: com esperança.

Depois de uma vida de desgraças, havia por certo o paraíso.

E na fé dos puros de coração, sorriu e por fim, foi feliz no último instante.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 18/06/2014
Reeditado em 18/06/2014
Código do texto: T4849512
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