Café Mineiro

Café mineiro, é prosa, é garantia de boa conversa, é garantia de bem-querer!

Café mineiro, é convite pra se achegar, mas pra se achegar de verdade e pra ficar à vontade!

Café mineiro não é na “xicrinha”, é no copão, na beira do fogão, e se “bestá”, faz mais...

Café mineiro num é “cum língua”, é com requeijão ou queijo, ou pão-de-queijo, ou outra gostosura.

É trem feito com amor!

Um café mineiro não é só um café, é também um convite pra ficar pro almoço, pra janta e pra dormir...

Quem não toma um café mineiro, “faz desfeita”, mesmo quando já está cheio.

A treita é sempre guardar um cantim pro próximo cafezim da próxima visita, senão a barriga “póca”.

Porque mineiro que é mineiro, não aceita a desculpa de “já tô cheio”! De “já acabei de tomar!”

Quem visita mineiro tem que se preparar pra ser bem recebido de uma forma que “só falta ser carregado no colo”.

Café mineiro é carinho, é afeto, e nele todo mundo “é de casa”! Mesmo não sendo, a casa fica sendo sua.

O café mineiro é abertura de portas, é mesa coberta com o melhor “panim”, é notícia de parente, de amigo, é atualização de “cuméquitás”: cuméquitá cumadi, cuméquitá cumpádi, cuméquitá ocê...

Café mineiro que te servem é sempre o passado na hora, pois o que já está na garrafa “já tá véi” porque, nas entrelinhas, você merece coisa melhor, e o melhor é o coado “na horinha”, no diminutivo mesmo porque o coado “na hora”, corre o risco de também já ter ficado “véi”... O café mineiro feito “na horinha” é aquele em que você enfia o seu copo direto na saída do coador, pra ele nem passar pela garrafa antes.

Esse café, é o mais forte! O que dá mais “sustança”! O mais cheiroso! “O mais mió de bão”!

Esse café, além de ser o que tem mais “sustança”, é também o que vem mais “surtido”, porque os donos da casa reservaram num cantinho especial da despensa, os quitutes mais saborosos – “pras visita qui chegá” – que nem eles, os donos da casa se atrevem a bulir.

Café mineiro faz galinha caipira morrer pro almoço!

Café mineiro às vezes faz até trouxinha de pano de prato procê levar um cadim de quitutes pra casa!

Mas quem toma café mineiro, nunca deve “repará”... na bagunça... na simplicidade... nas coisas fora do lugar.

Mas nisso, “ninguém bota reparo mesmo”! “Bota reparo” mesmo é no amor sempre imutável de quem recebe.

Café mineiro, no fim das contas, é isso mesmo:

- Amor!

Por sugestão de um amigo leitor – muito obrigado pela dica Alberto Vasconcelos – abaixo, um glossário:

- “Bestá”: Duvidar. Se “bestá”, faz mais... O mesmo que: Se duvidar, faz-se mais;

- “Café cum língua”: Diz se mineiramente, do café puro, sem acompanhamentos de qualquer natureza, exceto, os acompanhamentos indispensáveis de boa prosa e alegria contagiante;

- “Trem”: Uai! Trem é trem, uai! Trem é tudo quanto é tróço!

- “Tróço”: É trem!

- “Já tô cheio”: O mesmo que “já tô ripunano”.

- “Ripunano”: Arrotando de tanto que comeu. Satisfeito no apetite. Diz-se: Agradecido!

- “So falta ser carregado no colo”: Expressão comum do povo mineiro pra expressar o quanto a pessoa te tratou bem;

- “Panim”: No contexto, forro de mesa. Fora do contexto, um pano pequeno;

- “Faz desfeita”: Um tipo de pressão que o anfitrião mineiro sempre faz pra obrigar a visita a honrá-lo, comendo do alimento que está oferecendo na sua casa. Se a visita não comer, geralmente desconfia-se de que ela é “metida a besta” e fez pouco caso do seu humilde café;

- “Metida a besta”: Exibida, ou rica demais para aceitar o seu café xinfrim;

- “Xinfrim”: Pobre para os padrões da pessoa “metida a besta”;

- “Cuméquitá”: o mesmo que “como é que está” a coisa ou a pessoa de quem se quer saber o não sabido;

- “Véi”: Velho! Um café velho, pode ser o de ontem. Um mais velho, o de anteontem. E mais velho ainda, o de tresantonte, esquecido mesmo na garrafa – no caso de uma viagem, por exemplo;

- “Tresantonte”: Expressão exclusivamente mineira para indicar o dia antes de anteontem. Mas existe uma expressão mineira que retrata ainda o dia mais antigo que o tresantonte, que é quando você pergunta: - Esse café é de hoje? E a pessoa responde: - Sim! É “d’hoooooooje quêce trem taí! (mas tem que falar estalando os dedos pra garantir que tem muito tempo mesmo);

- “Sustança”: O mesmo que suster, sustentar, manter, alimentar direito;

- “Surtido”: O mesmo que variado, de vários tipos ou qualidades, de tudo quanto é jeito;

- “Repará”; “Botá Reparo”: Observar, prestar atenção, notar. Não repará ou não botá reparo é ver fazendo de conta que não viu;

- “Bulir”: Mexer, pegar, tocar, desinteirar, apropriar-se.

Charles Lucevan Rodrigues
Enviado por Charles Lucevan Rodrigues em 24/06/2014
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