A Última Decisão

Levantou-se e realizou o ritual diário. Fez a barba com cuidado. Seu café foi servido pontualmente. Senhor Nélio Serafim, assim gostava de ser chamado. Não doutor. Doutor em que? Pouco estudara. Fez-se sozinho, com a ajuda do pai. Tornara-se empresário de sucesso na área de artigos de couro. De pequenos consertos de bolsas, sapatos e até bolas de couro a proprietário de grande indústria exportadora.
Antônio, o motorista chegou no horário. Saíram em direção à empresa. Chegaram. Não havia porteiro. Quem os recebeu foi Eupídio o jardineiro.
- Os seguranças não apareceram mais, disse. A empresa falou em falta de pagamento.
O Sr. Nélio baixou a cabeça envergonhado. A realidade o atingiu como um soco. Lembrou-se que a falência fora decretada. Entregara os negócios ao filho Augusto que resolvera revolucionar a administração com os conceitos aprendidos nos Estados Unidos. Começara substituindo os antigos diretores, de confiança do pai. Depois os gerentes. Tudo ruiu. O jovem audaz e seus seguidores saltaram do navio-empresa como ratos. Não houve como salvar o seu navio como gostava de chamar sua empresa o Sr. Nélio.
- Eupídio, disse o Sr. Nélio, o que você ainda faz por aqui. Seus direito trabalhistas não foram pagos?
- Foram, sim senhor. Agora, se eu não cuidar das plantinhas e, principalmente, das roseiras o que será delas? Acabam morrendo. Continuo vindo até quando o senhor deixar.
- E você, Antônio, já não lhe dispensei do trabalho?
Antônio não respondeu, entrou no carro e o estacionou.
O Sr. Nélio foi até onde estariam as máquinas. Vazio. Tudo leiloado para pagamento de dívidas trabalhistas e com os fornecedores. No lugar do som das atividades frenéticas da produção de diversos produtos ficara o silêncio. Um rato percorreu curioso toda extensão do galpão vazio e ficou tão surpreso quanto o homem. Olharam-se com respeito. Cada um foi para o seu lado. Voaram também os pombos presentes.
O velho capitão de indústria, termo muito utilizado durante certo tempo, agora era um náufrago, sem esperança. Olhou ao redor e viu a favela que sempre fora vizinha da fábrica. Estava lá antes da construção do empreendimento. O velho capitão sempre quisera apossar-se daquele espaço para expandir seus negócios. Agora o inverso logo ocorreria. Os moradores do entorno já quebraram parte do muro que os separava da empresa e começavam a invadir construindo suas casas. Era questão de tempo. Não havia o que fazer. O altivo empresário perdera. Era muito tarde.
Subiu a escada que levava até sua sala, ainda intacta. Ouviu passos. Não acreditou. Era Hilda sua secretária.
- Não acredito, D. Hilda. A senhora ainda por aqui.
- Claro Sr. Nélio, quem vai cuidar do senhor? Aliás o seu chá, que eu mesma fiz, está sobre a sua mesa.
Ele ia protestar, assim como fez com os outros dois, mas desistiu. Foi até a sala e tomou o chá.
Houve uma gritaria. Era o povo da favela invadindo o que restara da fábrica. Ficou imóvel. Abriu a gaveta superior da escrivaninha e pegou o revólver. Encostou o cano da arma na têmpora direita e tomou sua última decisão: disparou. Poucos ouviram o estampido da arma. Havia muita confusão com a ocupação.
D. Hilda o encontrou. Gritou. Seu grito somente foi ouvido por Antônio e Elpídio. Choraram e lamentaram a última decisão do Sr. Nélio.
Agora restam apenas ruínas. Os miseráveis desprezados por Sr. Nélio venceram. Ocuparam sua fábrica e todo o espaço a sua volta. Dizem que o fantasma do homem aparece para alguns. Os cachorros uivam sem motivo aparente. Os mais velhos se benzem, por segurança...
Gerson Carvalho
Enviado por Gerson Carvalho em 13/07/2014
Reeditado em 08/04/2015
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