C.A.R.M.A.
[...] _Eu vejo um lugar lindo. Vejo cavalos, bois... É uma fazenda. Faço parte disso, mas algo me incomoda...
_O que você sente?
_Angústia, tristeza... Tudo me parece reticente e nebuloso... Vejo alguém ao longe. É um deles. Eu o reconheço, mas está diferente. Parece um camponês.
_Você gosta dele?
_Não! Acho que ele faz parte do complô.
_Você acredita mesmo que haja um complô?
_Estou confuso. Estou vendo esse homem. Ele está feliz, ao lado da esposa e dos filhos. E eu não estou feliz por ele; não entendo o porquê.
_O que ele fez?
_Nessa vida, ele foi um dos que me mataram.
_Como assim?
_Meus sentimentos... Estou vendo o outro. Ele também está sorrindo. Vejo várias crianças ao seu redor.
_Isso é bom...
_Isso me é indiferente. Não acho que ele mereça tanta alegria.
_Por que não? O que mais você vê?
_Eu o conheço bem; sei da sua essência.
_Será que sabe mesmo?
_A meu ver, não há uma alma ali.
_Isso são demônios que precisam ser exorcizados... Você conseguirá.
_Agora eu vejo... Não é possível... Ele...?
_Quem?
_Um grande amigo! Na verdade, mais que amigo... Temos uma forte ligação...
_Por que você ficou consternado ao vê-lo desse lado?
_Porque eu era filho dele.
_Hum... Isso é um tanto complexo...
_Tudo se encaixa agora. Nós estamos discutindo... Nossa!
_O que houve?
_Eu quebrei o porta-retratos da família. Eu estou gritando com ele e...
_E...?
_Estou sendo expulso de casa. Poxa... Ele parece triste; parece não querer fazer isso, mas meu irmão mais velho o está influenciando...
_Você o conhece também?
_Sim. Ele foi um dos meus algozes. Sempre se considerou superior. Isso continua até hoje, mas...
_Mas...?
_Não temos mais vínculos fraternais.
_Sinto muito. Você já conseguiu superar isso?
_Sim. Estou mais forte, seguro... Estou bem resolvido a respeito disso. Já o perdoei, inclusive.
_Certo. Bom, continue.
_Agora eu vejo um daqueles homens; um capataz... Ele me estendeu a mão.
_A partir de agora, observe muito bem como vocês se comportam.
_Estamos conversando... Vejo olhares cúmplices entre nós. Isso não está certo. Ele tem compromisso.
_E você se importa?
_Sim, mas não pareço me importar aqui deste lado e nem tenho como controlar isso.
_Isso te incomoda?
_Muito. É uma família. Não pode ser destruída.
_Como você se sente agora?
_Mal. Sinto vergonha. Eu me vejo nos braços daquele capataz. Cedi aos seus encantos baratos... Oh, meu Deus... Agora vejo choro, brigas e separação por causa disso.
_O que acontece depois?
_Fui expulso novamente. Oh, não... Aquele camponês... Ele me estendeu a mão; eu não deveria aceitar... Oh, meu Deus!
_O que foi?
_Tudo está se repetindo...
_Continue... O que mais você acontece?
_Estou vendo tudo isso se repetir uma, duas, dez vezes...
_Tente se acalmar, por favor...
_Acabou.
_Então volte. Volte aos poucos. Siga a minha voz. Volte... Volte... Abra os olhos!
_Agora eu entendo o motivo. Eu tinha contas a acertar. Lá atrás eu fiz muitos chorarem; nessa vida foi a minha vez.
_Isso lhe tira o peso da rejeição?
_Sim. Eu até me sinto mais leve. Paguei o preço. Estou em paz. Obrigado!
_De nada. Vire a página. Boa sorte!