OS SETE PECADOS CAPITAIS - INVEJA

- Mulher, larga de ser abelhuda, porque todo esse tempo com o ouvido colado a parede querendo ouvir o que se passa na casa do vizinho, mulher?

- Chiiiiiu! Fala baixo, só estou querendo escutar o som do novo aparelho que eles compraram. Tenho certeza que amanhã, essa infeliz metida a dondoca virá falar-me do “moderníssimo” som que comprou e estou querendo me certificar se é realmente assim tão bom. Aliás, já passou da hora de você comprar um para nós também, mas a culpada sou eu, que fui me casar com um pé rapado como você e ter que viver com esse seu salário de bombeiro herói e mal pago.

Assim era Zilá. Passava boa parte do tempo tomando conta da vida da vizinha “sua amiga” e se roendo cada vez que a outra lhe dava uma noticia boa:

- Sabe Zilá, o Betinho passou no vestibular e, graças a Deus, para uma faculdade pública, pois do contrário não sei onde arranjaríamos dinheiro para pagar seus estudos.

Zilá por dentro se roia, seu filho Marcos não queria nada com estudos, adorava funk. Vivia na rua e até furtava dinheiro em sua bolsa para frequentar a lan house da esquina, onde em uma rede social com o pseudônimo de “Rico e gostoso” seguia enganando a jovens sonhadoras e a si próprio.

Qualquer novidade boa na casa de Dulce provocava-lhe tristeza e rancor. Sua inveja era dissimulada pela maneira como a tratava, mas era intensa. Tudo que a outra adquiria, mesmo fazendo dívidas, fazia questão de comprar também, desde o mais simples baton até a Tv Led, de 42 polegadas que mal cabia em sua pequena sala e que comprometera o salário do marido, durante os próximos 24 meses das prestações. O pobre do esposo se via louco, mas nada podia fazer se não mais empréstimos para pagar a perseguição invejosa que ela movia à vizinha.

Naquela tarde estava ela à janela, quando Dulce vinda do salão de beleza, risonha balança as madeixas pintadas de um louro que lhe caíra muito bem:

- Oi querida, nem te reconheci, o que deu em você para ficar loura de uma hora para a outra?

- Pois é menina, ser loura é melhor que deixar aparecer os fios que já estão ficando brancos – respondeu Dulce e continuou - Você gostou?- Perguntou balançando humilhantemente (para Zilá) os cabelos.

- Adorei ficou muito bem em você que tem pele clara, parabéns, mas seu marido sabia que você ia pintar os cabelos?

- Claro foi sugestão dele! Quer me ver diferente. Sabe como é, né? Isso dá uma incrementada no casamento. Bem querida, beijos.Tenho um pouco de pressa, ainda nem preparei a janta. Tchau – e girando e balançando, desafiadoramente(aos olhos de Zilá))os cabelos entrou em casa.

Uma nuvem negra cobriu a mulher. Ela se mordia. Apertava os olhos.

Ah! Mas isso não ficaria sem resposta, ela também poderia se tornar loura e também teria a desculpa dos cabelos brancos que já surgiam, para fazer com que Otávio, seu marido, aceitasse a mudança inesperada, porém tinha só um detalhe, um detalhe importante. Não tinha dinheiro para as despesas no salão.

Lembrou-se então de Renatinho, filho de outra vizinha, que era aprendiz de cabeleireiro, que só fazia corte, mas nunca havia pintado os cabelos de nenhuma freguesa. Isso não importava muito. Qualquer um, julgava ela, que conhecesse um pouco poderia fazê-lo sem problemas, bastava seguir as instruções do produto a ser usado:

- Renatinho meu amor estou pensando em mudar a cor dos meus cabelos e queria saber quanto você me cobra pelo serviço, não precisa se preocupar com a tintura, eu mesma a compro.

- Olha fofinha, eu nunca tingi os cabelos de nenhuma freguesa e até gostaria de tentar fazê-lo, porém tenho um certo receio que a cor não fique exatamente como você desejaria. Sabe como é, né linda, na fotografia da caixa da tintura é uma coisa, mas na cabeça da boneca pode não ficar igual.

- Não faz mal bobinho quero arriscar. Confio em você e quero sair de sua casa com a cabeça brilhando dourada ao sol.

Assim aproveitou enquanto Otávio dormia. Surrupiou-lhe algumas das parcas notas de sua carteira. Esperou que ele saísse foi a primeira farmácia e comprou a tintura em cuja embalagem da marca Pelaton, que era a mais barata, estava destacada a tonalidade Louro Brilhante.

Era tudo o que ela queria, já imaginava a cara da inocente vizinha ao vê-la também “linda e loura”.

Sentada na cadeira do jovem iniciante, de olhos fechados, não podia ver agonia do rapaz, que a cada vez que lhe passava a escova arregalava os olhos com a quantidade de cabelos que vinha preso a ela.

Quando, finalmente abriu os olhos, quase morreu de susto estava completamente careca.

Renatinho não soubera fazer a mistura, exagerara em algum dos elementos e deu-se a tragédia.

Ela queria chorar e nem conseguia.

Agora não era nem morena nem ficara loura, mas completamente careca.

Porém como desejava que sua cabeça ficasse brilhante e dourada com a luz do sol, pelo menos isso ela conseguiu, pois quando ganhou a rua naquela tarde ensolarada, sua cabeça branca e lisa brilhava como jamais brilhara antes, mas em seus olhos, de vergonha e tristeza, o brilho havia se apagado.

Jogon Santos

Dez.2012

Jogon Santos
Enviado por Jogon Santos em 28/07/2014
Reeditado em 15/12/2014
Código do texto: T4899637
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