DE NADA ADIANTA CHORAR (My life)

DE NADA ADIANTA CHORAR (My life)

Uma dor de estomago e a cabeça, nem podia pensar em algo igual, sentia um pouco de cada coisa, fiquei na janela pensando em nada, cabeça vazia.

O carro passava devagar, era verde um modelo 78 de fusca, o trânsito preguiçoso naquela, poucas vezes me senti assim em toda a minha vida, longe de tudo distanciado suspenso como um astronauta que não pode mais voltar, sem nada para fazer, sem nada de importante para fazer com um buraco no estomago e uma dor de cabeça!

Há duas horas atrás presenciei o meu pai ser encoberto com uma areia preta em um caixão simples, deixou o meu convívio para sempre, assim a vida se apresentava para mim com algo finito, o que é bom sempre vai primeiro. Não existe maneira de recomeçar, não dessa vez.

Fumava escondido de Aline, mais ou menos, tínhamos um acordo de assim que as crianças estivessem dormindo eu poderia fumar um cigarro na varando do quarto de hospedes.

Acho que nesse dia Aline não ligava, para o meu cigarro, não desta vez, ela estava no quarto e ainda chorava, eu não tinha mais lágrimas, a dor atravessou o meu corpo e passou por mim, atingiu a minha alma e me deixou só um vazio, me perguntei se tudo o que fazemos tem um sentido, algum que podemos dizer que é nosso?

Quatro paciente já haviam me ligado, e havia também ligação de seis jornalistas filhas da puta. Meu consultório estava com uma placa de luto na porta, porém as pessoas não se importavam.

As pessoas queriam falar sobre os seus problemas a suas dores, recusei olhar para o celular, depois atirei na cadeira aquele objeto infame, queria puxar outro cigarro, mas quebraria o meu acordo com Aline.

Fui até a cozinha e coloquei um café frio, ela estava de bronca comigo, quando a mulher está de bronca com você ela não faz café.

-Que se dane – tomei o café e fui para varanda queria mais um cigarro.

O telefone tocou.

Aline atendeu, veio com ele na mão.

-Quem é? – disse de cara fechada, pois não queria falar com ninguém.

-O gerente do hospital, o tal do Valdemar Borges, ele está gritando disse que é importante, ele disse que entende o seu período de luto, mas chegou uma coisa importante pra você, alguma coisa da paciente Ângela, acho que vai interessar, melhor atender – disse e empurrou o telefone na minha direção, seus olhos estavam vermelhos e acho que ela sabia de alguma coisa sobre a Ângela.

Peguei o telefone sem dizer nada.

O diretor falava rápido, um sujeito, baixo, careca e com cara de porco da índia, andava sempre olhando para baixo, típico sacana que os donos de hospital colocam para foder com quem estiver na frente.

-Fala baixo que minha cabeça está estourando – disse depois que ele me metralhou com as palavras.

Resumindo falou assim:

O processo havia chegado no hospital, os donos estavam muito chateados com a conduta que eu tive diante de uma paciente fragilizada como a Dona Ângela e disse que a coisa toda ia parar na impressa e que o hospital não podia se responsabilizar pelas minhas cagadas: ”puta que pariu Eduardo, sair com uma paciente” repetiu essa frase umas trezentas vezes, o porco ainda disse que ele sentia muito sobre o meu pai, mas seguia ordens, que eu tinha que passar no departamento pessoal e acertar os meus direitos e não colocar os pés no hospital nunca mais.

Parou de falar ofegante.

Outro silencio.

-Tem alguma coisa pra me dizer?

Desliguei o telefone sem falar uma única palavra.

Existe momentos na vida que a única solução que parece existir é a morte, como não sou dado a pensar na morte queria beber, meu pai tinha saída pra tudo, um caderninho de receitas na vida, seu único defeito foi ser um fodido de dinheiro e trabalhar em uma padaria até morrer, gerente, o dono é meu amigo ele dizia, quando a minha mãe morreu ele ficou parado olhando o corpo dela e disse.

-Tive sorte Eduardo, amei uma mulher que merecia ser amada, isso sim é sorte, com tantas vagabundas por ai.

Ele comia pouco e virou um eremita, quando os meus problemas começaram ele passou a ser o meu conselheiro, comecei a achar que o meu velho havia me passado uma perna, ele morreu quando eu é que teria que deixar essa vida, meus filhos dormiam no quarto após ver o meu pai ser enterrado.

Eu me lembro ainda da última conversa que tive com meu pai sobre a Ângela e como as coisas estava ficando muito ruins.

Ele me disse:

-Você é casado com uma mulher tão bonita, por que caiu na besteira de sair com aquela mulher? Ela têm cara de bandida Eduardo!

Baixei a cabeça, não sabia responder aquela pergunta, nos últimos três anos vinha consumindo álcool demais, a onda de trabalho me sugava, minha vida foi, nos últimos três anos, uma rotina inconcebível, depois das longas horas de trabalho saia para beber e chegava na madrugada em casa, culpava todos pelos fracasso que tinha, arrumava confusão no trabalho e discutia praticamente todos os dias com Aline, andei tomando remédios para dormir e as minhas cirurgias estavam sendo desmarcadas, não conseguia cumprir um cronograma, tudo tinha virado do avesso.

Quando atendi Ângela pela primeira vez no hospital ela estava alcoolizada, vestia um trapo e tinha um olhar perdido, ela me olhou com olhos de uma fantasma, uma bruxa, pegou na minha mão e fingiu ser uma dama perdida, reclamou do marido autoritário e péssimo amante, disse que estava morrendo em meio a tanta falsidade, fragilizada, louca e quase nua ela me fez pular na escuridão, engoliu minha alma.

Telefonei para ela e dois dias depois estávamos bebendo juntos, ela me disse que era casada com um industrial, mas queria ficar comigo porque eu era muito bom de cama.

-Você acreditou? – Disse o velho com um sorriso nos lábios – homens inteligentes são presas fáceis para loucas com coxas e budas e disponibilidade para loucuras, tudo cheirava a uma grade armadilha do destino, o seu problema Eduardo é que vem conversar comigo depois que o problema aparece.

-Analisar demais a vida deixa ela chata – disse para o velho quando colocava vinho no copo dele.

-A parte boa da vida é a chata – ele disse – foi o sexo?

-Sei lá, nem ligava muito para o sexo, era só a loucura de fazer com Ângela o que não era permitido na rotina de vida que levava, responsabilidade, filhos, prestações, trabalho.

-Não te entendo. Aline é uma boa esposa, você tem um emprego que sonhei ter, mesmo assim joga tudo fora por uma louca, ainda por cima casada?

-É talvez tenha cometido um erro...

-Queria tocar fogo na casa – disse o velho Paulo, meu pai – tudo bem, mas não esqueça de sair antes.

Ângela depois de três meses contou tudo para o marido, falou em detalhes e disse um monte de mentiras, talvez nem tudo fosse mentiras, eu havia caído no velho conto do ciúme, as três da tarde de uma quinta feira um homem, mais bonito, mais rico e com um olhar fúnebre entrou no meu consultório.

-O senhor é o doutor Eduardo?

-Sim.

-Eu sou o marido da Ângela, ela foi internada para tratar do alcoolismo, queria falar um monte de coisas para o senhor, não vale a pena, pensei que fosse um médico melhor, com um consultório melhor – ele olhou em volta, fiquei parado como um robô desligado, ele me olhou nos olhos e disse com a voz firme. - Terá que pagar pelo que fez senhor Eduardo, até as últimas consequências – saiu do consultório.

Bebi aquela noite até cair.

-Agora ele está processando você? – perguntou o meu pai – e o hospital? Todo o seu mundo vai desabar, a casa está queimando, e você está dentro, se sobreviver terá que ressurgir das cinzas, prepara a sua cabeça, tudo na vida passa.

Aline veio até a varanda e me olhou com olhos cheio de lágrimas, não suportava mais a pressão, as crianças adoravam o avô, por isso ela havia ficado até aquele momento, mas nosso casamento acabava de forma humilhante para ela, o pior é que eu amava aquela mulher e agora havia ficado sozinho e não tinha o meu pai para conversar, precisava de alguém para me orientar, minha mãe morreu no verão passado, meu irmão andava pela Europa e agora meu pai se foi.

-A coisa toda foi parar nos jornais – disse Aline – vou para casa da minha mãe em Friburgo, depois a gente conversa, não se importa de usar o cartão de credito?

Balancei a cabeça concordando.

Despedi dos meus filhos segurando o choro, choro de um homem acabado, eles perguntaram como ficaria a escola, disse que depois dávamos um jeito e ela partiu levando o meu carro.

Peguei o uísque no armário e o pacote de cigarros.

Adormeci.

Pela manhã peguei o jornal, a manchete:

-Advogada Ângela Pastore se enforca em clínica. – Minha cabeça doeu, um sangue escorreu pelo meu nariz e depois meu braço e minhas pernas ficaram pesados demais, me arrastei até o sofá, peguei o telefone para ligar para Aline, mas não tinha voz, encostei a cabeça no encosto do sofá, minha mão esquerda estava caída e eu não tinha controle também sobre o pé esquerdo e não conseguia falar, do canto da minha boca saia uma baba estranha, comecei a chorar, lembrei do meu pai, mas ele sempre dizia.

-De nada adianta chorar...

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 08/08/2014
Reeditado em 08/08/2014
Código do texto: T4914232
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