JUVENAL E A VELHA DA FOICE

Juvenal vivia tranqüilo: solteiro, 38 anos, três filhos conhecidos espalhados pelo mundo, mais uns cinco ou seis que não conhecia, uma casinha singela, porém bonita. Mesmo com todos estes filhos, ele era descansado. Sem crise. Pra quê estressar-se? Metalúrgico, passava o dia no trabalho, entre farda, ferramentas, máquinas, calor e marmita. À noite, ah, a noite era sua e dos bordéis. Conhecia mais de 150 prostitutas, cafetinas, malandros mil. Ele até possuía bônus por uso e visitação de puteiro. Era uma figura urbana, um cara legal.

Estava em casa, sábado à tardinha, mandando ver uma graxa na botina, “Afinal, era sábado”, quando alguém bateu à porta.

- Quem é?

- Uma amiga.

Juvenal animou-se. Diversão mais cedo? Não lembrava da voz, mas, não importava. Se era uma mulher...

Qual não foi sua surpresa quando a porta, rangendo, foi aberta por sua mão direita, suja de graxa preta de sapato.

- Boa tarde, Juvenal. Posso trocar umas palavras contigo?

- Quem é você? Não lembro de lhe conhecer.

- Eu sou uma amiga de todos, Juvenal. Mas, todos só me vêem uma única vez.

- Não entendo.

- Sou a morte!...

- Valei-me, meu Padim Ciço, valei-me, Frei Damião, disse, benzendo-se com a mão esquerda, melando o rosto de graxa.

Entre o susto e a curiosidade, Juvenal, gaguejando, convidou-a a entrar.

- O que você quer de mim?

- Ora, Juvenal: eu sou a morte, bato à sua porta querendo conversar contigo, o que será que quero???

- Não faço a menor idéia.

- Não se faça de tolo. Vim lhe buscar.

- Mas, eu to bem aqui. Não pretendo ir agora.

- Ninguém pretende. Ninguém está mal aqui. Mas, eu cumpro ordens.

- Sente-se aí, dona Morte. Aceita um drink? Tenho cachaça, catuaba, vinho, licor e cerveja. Sempre, nos fins de semana, eu gosto de tomar uma coisinha, né.

- Obrigada. Estou a trabalho e você sabe: a trabalho ninguém deve beber, “né”...

- Esquente não. Um trago não faz mal a ninguém. Até o padre bebe vinho.

- Não tente enganar-me. A realidade é esta: seu nome me foi dado, vim lhe buscar e você tem de ir.

- Mas, eu não posso: sou novo ainda. Trinta e oito anos. Não vou nem chegar aos quarenta? Todo mundo diz que a vida começa aos quarenta...

- Não posso fazer nada. Vamos, prepare-se.

- E meus filhos: quem vai cuidar deles?

- Eles vão se virar. Todo mundo se vira.

- Mas, tem filho que eu nem conheço. Eu não posso morrer sem conhece-los. É um pecado que não quero levar pra cova, de jeito nenhum.

- E onde eles moram?

- Um, o Fernandez, dizem que mora no interior do Paraguai, em Presidente Hayes. Outros dois, os gêmeos Cícero e Romão, moram com a mãe lá em Juazeiro do Norte. São devotos do meu Padim Ciço. Um mora aqui no Recife: é o Robertinho. O outro desconheço nome e, também, não sei onde mora. Os outros três eu vejo um pouco mais. São tão bonitinhos, meu Deus: Ritinha, Rosana e Vagner.

- Tudo bem. De onde você estiver, você irá sempre vê-los. Não se preocupe.

- Mas, dona Morte, eu não posso ir agora. Olha, eu tô bem de saúde: trabalho o dia todo e não sinto nem um tiquim de cansaço.

- “Ordens são ordens”, Juvenal, já dizia o Tenente Roberto.

- Qual tenente?

- O da outra história...

- Eu não vou.

- Não tem escolha.

- Quem manda em mim sou eu.

- Mandava. Seu prazo está expirando.

As lágrimas vêm-lhe aos olhos. Que hora complicada. Ninguém lhe ensinou como morrer, aliás, ninguém se preocupa com isto. Pensam que a morte é algo separado da vida. As duas são irmãs. Uma nasceu pra outra.

- Vamos fazer um trato, disse Juvenal. Você vem me pegar segunda-feira à tardinha. Deixe-me, pelo menos, me despedir deste mundo.

- Não posso, Juvenal. Este privilégio ninguém tem. Além do mais, o que vou dizer ao encarregado quando eu chegar sem a missão cumprida? A morte é um “Office-boy” da natureza, sabia?

- Ora, dona Morte, estamos no Brasil. Sempre se dá um jeitinho. Eu até lhe convido pra gente dar um “rolé” hoje à noite.

- A proposta não é de todo indecente não. Tá, tá, tá... Tudo bem, você me convenceu. Hoje saímos juntos, curtimos a noite. Segunda à tarde eu venho buscar-lhe.

- Dona Morte, que mal pergunte: a senhora é mesmo mulher ou é homem?

- Respeite-me. Eu sou uma senhora, disse a morte, sustentando com firmeza a foice de metal.

- Tá bom, tá bom, não precisa ficar nervosa. Eu sabia, dona Morte, que a senhora não é tão feia quanto pintam não. Mas, use um trajezinho melhor hoje à noite. Tire este capuz, bote um vestido bem bonito, guarde esta foice e vamos pra gandaia.

- Bem que eu preciso de uma diversãozinha. Faz tanto tempo que trabalho sem férias. Desde a Criação...

E assim se passou a noite. Juvenal e Dona Morte (aliás, Zoraide, nesta noite), divertiram-se bastante. Dançaram forró no Cabaré de Joana “Pão-de-Açúcar”, tomaram cerveja no Bar do “Cara-de-Porco”, andaram pelo “metrô”.

- Engraçado, Juvenal, eu tive a sensação de que já estive em todos estes lugares.

- Ora, Dona Morte, perdão, Zoraide, você é a morte. Sempre morre gente nestes lugares, né? Sempre morre gente de fome, doença, crime... tanta ruindade... e dizem que a culpa é sua...

- É mesmo, eu já havia esquecido disto.

Terminada a noite, Juvenal foi pra casa e Dona Morte despediu-se, com o seguinte recado:

- Lembre-se: trato é trato. Segunda-feira à tardinha eu venho lhe buscar.

- Tudo bem. Posso fazer-lhe uma pergunta?

- Faça.

- Como será a minha morte?

- Isto eu não posso dizer. Quando eu chegar, você vai saber. Só posso lhe adiantar um detalhe: não vai ser dolorosa. Boa noite, Juvenal.

- Boa noite, Dona Morte.

Antes dela dobrar a esquina, Juvenal gritou:

- Você é uma ótima companheira de boemia!!!

- Obrigada, Juvenal. Segunda-feira, hein.

Juvenal não conseguiu dormir naquela noite. A idéia de morrer um dia depois não lhe agradava. E ele sabia que não podia fugir. Decidiu fazer o testamento. “Ora, pobre com testamento... francamente, Juvenal”, pensou ele mesmo. O que ele teria a deixar? Materialmente, tinha uma casinha, toscos móveis, uma poupançazinha, um seguro de vida. Tudo pra ser dividido entre os oito filhos.

E para o mundo, o que foi que ele deixou?

Deixou a amizade, a companhia, a solidariedade. Todo mundo lhe gostava, por onde quer que passasse. Não tinha nenhum amigo “doutor”, mas isto não lhe incomodava: era amigo de mais de 150 prostitutas, cafetinas, malandros. Ele até possuía bônus por uso e visitação de puteiro. Pagava cachaça pra bêbados, cigarro pra mendigos. Aos meninos de rua dava caramelos e chocolates. Por isso não tinha nada a deixar pra ninguém. O que tinha de dar, já deu em vida.

Começou a pensar em quem viria pro seu enterro. “Porra, nunca pensei que ia estar pensando no próprio enterro”. Quem será que lhe seguraria a alça do caixão? Quem vai chorar? Quem vai sentir mais? De quem vou sentir mais saudades?

Foi ai que lembrou da Manuela. Manuela era a mãe dos seus três filhos mais próximos: Ritinha, Rosana e Vagner. Talvez gostasse mais destes filhos porque gostasse mais desta mãe...

E decidiu visitá-la no domingo à tarde. “Isto mesmo, amanhã vou visitá-la.”

Acordar cedo. Primeiro iria caminhar na praia. Depois, bater o último racha lá na várzea. Pagar uma rodada de cachaça pra todo mundo. Falar com todos: Albino, Biu da Vaca, Jackson, Osvaldo Gaveta, Cara-de-Castanha, Rudrigo, Ciriguela, Varejeira. “Todo mundo vai estar no bar. E eu vou pagar uma de cachaça pra todo mundo. Minha despedida. Porra, quanta história nós passamos juntos.” E, por fim, levar Manuela e os meninos pra passear no shopping. “Com sorte, Manuela me perdoa e libera pra mim, hoje”. Seria a última noite, com a mulher da sua vida.

Lá pelas quatro e trinta da manhã ele conseguiu dormir, mas, logo que o sol mostrou serviço, ele despertou. Despertou com os galos, garis, jornaleiros e com os vigias deixando o trabalho. Despertou com o orvalho pingando das plantas pequenas e das árvores. Despertou com o friozinho da manhã.

Fez tudo como combinado. Foi à praia, caminhou pela orla. Chorou com as ondas salgadas tocando os seus pés descalços. Olhou os navios, as aves marinhas. Sorriu pros pescadores, sentou na areia, pegou uma concha do mar. Colocou-a no ouvido como fazem as crianças. Ouviu o ruído do mar dentro da concha.

Entrou na água. Pareceu-lhe um batismo. Nunca sentiu a água do mar tão intensa quanto aquele momento. Por alguns instantes imaginou-se uma gota do mar. “Será que é isto que viramos quando morremos? Gotas d’água de um oceano chamado Deus?”.

Foi para o “racha”.

Hoje ele vai jogar como nunca. Não vai perder divididas, não vai fugir de bola nenhuma. Vai correr como um menino de dezoito anos. Vai jogar, suar, fazer gols. Hoje, ele vai ser imortalizado. “Será que vão lembrar de mim, semana que vem?”. Foram quatro gols. “O Juvenal está com o ‘cão’ no couro, hoje”. “Vai ser contratado pra jogar no Santos”.

Após o jogo, birita pra todo mundo. “Hoje é por minha conta!”. “Ô Juvenal, que danado é que você tem? Pagando bebida, fazendo quatro gols. Você está bem?”.

Ah, se eles soubessem. Que infortúnio. Era melhor que a morte não tivesse me avisado. Era melhor que tivesse me levado sábado mesmo.

- Gente, eu tô pagando estas bicadas pra vocês porque eu gosto muito de todo mundo. Vocês são gente do meu coração.

Aplausos, apertos de mão, abraços. “Juvenais” ao ar foram gritados.

- É hora de ir. Vou passar na casa da Manuela. “Ah, então é isto, respondeu-lhe alguém. Menino sabidinho”.

Lá vai Juvenal. Olhos molhados pelas lágrimas que nasciam no peito.

- Manuela? Ô Manuela, fala Juvenal à tarde, na porta da casa.

- Quem está aí?

- Sou eu, Manuela, o Juvenal.

- O que é que você quer aqui!?

- Conversar.

- Eu não tenho nada pra conversar com você. Aliás, quando eu tinha o que conversar, você nunca me ouviu.

- Hoje é diferente. Por favor, escute-me. Prometo nunca mais lhe importunar a vida.

- Fala logo, o que é que você quer?

- Eu gostaria, antes de tudo, pedir perdão a você por tudo que lhe fiz. Não me estranhe, apenas, escute. Eu vim, hoje, pedir perdão por tudo de ruim que fiz pra você e pros moleques. Não quero que você diga nada. Basta deixar eu fazer o que planejei. Somente hoje. Depois, você pode ficar tranqüila que nunca mais virei aqui. Posso entrar, agora.

- Entre. Você está muito estranho. Bebeu? Bateu a cabeça em algum lugar?

- Vim lhe convidar pra irmos ao shopping, levar os meninos pra passear. Nunca mais estive com eles.

- Você nunca esteve com eles, Juvenal. Nunca. Estes meninos não têm pai, só mãe.

- Deixe-me tentar só uma vez.

- O que você está planejando? Quer dinheiro emprestado é? Eu não tenho não. Pode ir embora.

- Não, não, não. Dinheiro eu tenho, olhe aqui. Juvenal abre a carteira e mostra o maço de cédulas novinhas que acabou de tirar do banco. Adeus, poupança. Ah, mas, pra que morto com conta de poupança?

- Tudo bem. Fique aí sentado que vou aprontar os meninos.

Minutos depois, chegam os meninos prontos. Juvenal sorri. Juvenal chora. Coloca-os, um a um no colo. Dá-lhes, em cada um, um beijo paterno. Um abraço apertado. Lágrimas nos olhos. “Por que eu nunca fiz isto antes? Meu Deus, que pai fui eu? Eu acho que nem fui pai”.

- Vamos, disse Manuela.

- Papai, pra onde vamos?

“Ela me chamou de pai. Posso morrer em paz.”

- Vamos passear, filha. Vamos ao shopping, ao cinema, à sorveteria.

- Oba!!!

No shopping, Juvenal tem uma sensação nova e gostosa: sente-se um paizão. Pipoca, pizza, algodão-doce. Uma roupinha pra cada um, um colarzinho pra Ritinha, um vestido pra Manuela. Na hora de pagar, preenchendo um formulário, ao ser questionado se era casado, Juvenal respondeu, orgulhoso, “Sim!”.

Os meninos foram assistir a um desenho. Juvenal e Manuela foram ver um romance. “A tanto tempo isto não ocorria”, pensou ela.

Ao saírem do shopping, Juvenal foi levar a “família” em casa. Os filhos, cansados, beijaram o pai e foram dormir. Juvenal chorou. Um choro de dor, saudade, alegria, remorso, arrependimento. Um choro de adeus.

Manuela o convidou a sentar-se. Ofereceu-lhe uma bebida. Conversaram um pouco. Juvenal investiu, Manuela defendeu-se. Negou-lhe a última noite. Às onze e trinta ele levanta-se para ir para casa. Beijou a face de Manuela. Beijou-lhe os lábios. Era a última vez. Chorou. Ela o tomou nos braços, acalentou-o, mas, não cedeu aos seus desejos.

- Adeus, Manuela.

- Por que adeus? Você não volta mais aqui.

- Volto,volto... é só força de expressão.

Mais uma noite sem sono. Amaros pensamentos. Dor de cabeça. Agora a coisa começa a complicar. Agora ele pensa na hora da morte. Isto lhe causa medo. Imagens de anjos e demônios vêm à sua mente. Sorrisos diabólicos, trevas, frio, vento uivante. Levanta-se, vai à cozinha e toma um comprimido. Volta pra cama. Vai ao sofá. O suor pinga-lhe da testa, frio. As horas misturam-se em lentidão e pressa. Lentidão por que a aflição não passa. Pressa por parecer cada vez mais próxima sua hora.

Sua vida passa-se na mente como num projetor de cinema. Cada instante, cada alegria, cada tristeza, cada decepção, cada medo, cada emoção. Cada filho, cada amante, cada cerveja. Cada coisa...

Amanhece. Hoje não amanheceu tão bonito quanto ontem. O dia parece adivinhar o devir e cobre a paisagem da cidade com uma cortina de chuva. O dia torna-se cinza. Juvenal vai ao trabalho.

Passa a manhã triste. Todos notam-lhe a tristeza. Todos questionam-lhe a tristeza. Ninguém recebe resposta.

Ao meio dia, Juvenal decide ir pra casa. Alega que está doente e precisa repousar.

Toma o metrô de volta.

As casas ao lado dos trilhos são observadas uma a uma, apesar da velocidade do trem. Detalhes antes imperceptíveis, agora mostram-se claros. Favelas, barracos, meninos desnutridos, palafitas, morros, botecos, feiras, edifícios, um cachorro, dezoito cabras, um sem número de galinhas, uma mata, uma colisão automobilística. É a última vez. Tudo que nunca viu, leva, agora, na lembrança.

Será que morto tem memória?

Chega em casa. Abre vagarosamente a porta. Observa cada espaço, cada recanto da morada. Cores, tons, materiais, enfeites. Sua casa, sua fortaleza, seu mausoléu. Um sofá verde escuro. Um aparelho de tv 14 polegadas sobre o rack em mogno. Um som em cima da estante que também guarda alguns livros e objetos de ornamentação.

“Com que roupa quero morrer?”.

Foi ao guarda-roupas. Olhou todas as parcas roupas. Nenhuma lhe servia. Todas lhe tinham mostrado momentos tão bons.

“Vou morrer peladão, como vim ao mundo”.

Tomou um banho, fez a barba, penteou o cabelo, perfumou-se. Ligou a vitrola, ouviu Raul Seixas e Paulo Diniz. Deitou-se no sofá, acendeu um cigarro e esperou a morte chegar.

Repentinamente, a campainha toca. “Deve ser a morte chegando, a minha morte, tocando a campainha da minha existência. O apito final do jogo, jogo em que venci e fui vencido”. É o trem chegando. Pensou nos pecados que cometeu e pediu perdão a Deus em poucos segundos, segundos verdadeiros, apoiados pelas veras lágrimas. A hora da morte nos faz puros.

“Correio!”.

Uma carta é colocada por baixo da porta.

Ele levanta-se sem interesse, joga a guimba de cigarro no chão, pisa-a, queimando a sola dos pés, abaixa-se, pega a carta e começa a abri-la. O que seria? “Não importa muito, vou morrer mesmo”.

Abre a carta, pega o papel e qual não é sua surpresa.

Estava escrito:

“Prezado Juvenal,

Perdoe-me o sofrimento que lhe causei, mas, aconteceu um engano. Na verdade, o defunto a mim encomendado chama-se Genival. Ele tem a sua mesma idade, o sobrenome é igual ao seu e houve um equívoco na hora da digitação. O setor de informática do céu precisa ser modernizado. (Talvez, contratemos o Bill Gates...) O Genival está pra morrer, sim, mas de cirrose. Eu aconselho você a parar de beber. Virei te encontrar um dia. Até lá, viva a vida com intensidade e responsabilidade. Um abraço carinhoso.

Atenciosamente,

Zoraide, sua companheira de boemia...”

“Porra, eu não vou morrer, eu não vou morrer, eu não vou morrer, eu não vou morrer, eu não vou morrer, eu não vou morrer!!!!!!!!!! Yuuupppppiiiie!”

Em cambalhotas, Juvenal percorre a casa, nu, sorridente, quando, de repente, leva uma topada no dedinho do pé direito.

“Cassete”. “Porra”. “Ai, ai, ui, ui.”

Senta-se no sofá, afaga o dedo machucado e lembra de algo importante: “Cassete, se eu não vou morrer, eu tô lascado. As contas pra pagar. Eu gastei boa parte da poupança, detonei o cartão de crédito, entrei no cheque especial. E agora? Como irei pagar? Morte miserável, só me deu prejuízo. Filha-da-puta!”

Fica minutos a praguejar, reclamar da morte que não veio.

Súbito, um frio sobe pelas suas costas. A campainha tocou.

“Será que é a morte? Será que ela se arrependeu? Será que ela me ouviu? Ah, Juvenal, você só faz besteira. Pra quê que você foi reclamar”.

Cria coragem. Vai à porta, abre-a com todo medo presente em um ser vivo. De olhos fechados.

Mais uma vez, surpresa.

Nu (e esquecido disto), Juvenal recebe o vento de fora da casa e os olhares espantados dos visitantes.

“Parabéns pra você, nesta data querida, ...”

Com um bolo cheio de velinhas acesas, todos estavam cantando um “Parabéns...” meio insosso...

Juvenal havia esquecido: era 15 de março, dia do seu aniversário...