Nininha

Faz pouco mais de quatro anos que meu marido e eu nos mudamos para o litoral. Moramos em um pequeno apartamento em uma pequena cidade e em um bairro absolutamente tranqüilo. As casas ao redor em geral ficam desabitadas e por muitas quadras nosso prédio desponta solitário na bela paisagem ao redor. A maioria delas é apenas para finais de semana e temporadas, e muitas delas nem recebem mais seus donos, passam meses e meses fechadas. Fico imaginando o porque de não mais serem frequentadas e a conclusão que cheguei foi a de que as crianças cresceram passando suas férias nelas e um dia tiveram seus próprios filhos que não mais se interessaram pelas velhas casas de praia de seus avós. Agora passam suas férias em algum outro lugar da moda. Eu não ligo, gosto mais assim, prefiro o silêncio e a praia deserta. Nosso prédio também não tem muitos moradores e os poucos que tem permanecem silenciosos e reclusos como eu, pelo menos a maioria. Não gosto muito de sair de casa, amo meu cantinho . E uma outra coisa que amo fazer é ficar um longo tempo na sacada observando a vista. As casinhas com seus telhados formando um mosaico em tons de terra e cinza, e as montanhas majestosas freqüentemente cobertas pela espessa neblina. Houveram dias em que a neblina entrou apartamento a dentro, parecendo um fantasma em câmera lenta. O lugar é lindo e solitário e embora eu goste muito de ficar sozinha, as vezes sinto falta do contato humano. Passo horas a sós comigo mesma. Quando me canso desço para o térreo e me encontro com esse ou aquele morador a fim de me manter relacionada com outros seres humanos e não me tornar uma reclusa total. Corro esse risco porque em geral não me dou bem com as pessoas. Elas me invadem e me agridem com seus conselhos e palpites e isso me irrita muito. Embora eu goste de pessoas me sinto melhor sozinha e tenho pouca ou nenhuma necessidade de contato. Me obrigo a não me isolar e numa dessas descidas, conheci Nininha. Uma senhorinha baixinha e delicada, com uma animação bem maior que a minha. Aos poucos fomos nos tornando amigas e passamos a conversar e sair juntas com uma certa freqüência. Como disse, ela é bem mais animada do que eu. Embora não tenha carro, ela não deixa isso a impedir de sair para as compras e a ginástica matinal. Disse várias vezes a ela que me peça ajuda quando precisasse ir ao mercado ou a consultas médicas, mas ela gosta de se virar sozinha.

Amo conversar com ela e ouvir suas histórias, contadas aos pedaços, pois em meio a uma história surge outra mais interessante e em algumas vezes mergulhamos no passado dela com seu marido, indo pelos desvios da vida aqui e ali. Achei as histórias dela muito interessantes e decidi colocá-las no papel. Não terão cronologia e talvez nem precisão. Hora serão a minha própria interpretação dos fatos, hora serão regadas a sentimentos que me provocaram, peço que me perdoem, mas lembrem-se que se trata de conversas particulares entre duas amigas. E essas conversas fluem ao acaso do momento....

Nininha não se sente idosa, e ela não parece idosa mesmo. Foi a poucos dias que me dei conta de que quando estou com ela, posso estacionar meu carro na vaga para idosos. Ela caminha devagar, tem uma dor nos joelhos, devido a idade talvez, e somente por isso me lembrei que ela é idosa. Em todos os outros momentos me esqueço desse pequeno detalhe. Gosta de comer fora e olhar lojas tanto quanto eu. E também é muito parecida comigo, na personalidade, muito discreta e na dela. Gosta de ter seus momentos a sós, e quando vamos ao mercado ela pega um carrinho e eu outro. Não me intrometo nas compras dela e nem ela nas minhas. Talvez seja por isso que nos damos bem. Eu não tento ensinar nada a ela e nem ela a mim, mas mesmo assim aprendo muito com ela. Ás vezes ela come em minha casa e as vezes eu como na casa dela. Dona Nininha cozinha tremendamente bem e o tempero dela é fabuloso. Vez ou outra ela desce com um bule de chá, com bolo, torradas, ou bolinho de chuva. Em outras vezes ela me traz arroz doce, canjica e até a torta salgada chamada estranhamente de sopa paraguaia, trata-se de um bolo salgado, feito com farinha de milho, muita cebola e vários tipos de queijos. Uma delícia regional vinda do estado que ela nasceu-Mato Grosso do Sul. Já desisti de devolver a ela suas vasilhas com algum quitute dos meus, pois ela é invencível e eu preguiçosa. Embora eu goste de cozinhar, diga-se.

Em um desses almoços que tivemos juntas ela me contou que teve um restaurante e que ele fazia muito sucesso, o que eu não duvido. Fico imaginando como seriam saborosos os pratos servidos aos seus clientes famintos.

Foi em uma noite sentadas no sofá da recepção do prédio que ela me contou sua linda história de amor.

Quando era mocinha, morava com a mãe e os irmãos em Mato Grosso do Sul. Tinha uma irmã que morava em São Paulo, e como muitos fizeram, e fazem até hoje, veio em busca de emprego melhor a fim de enviar dinheiro para os pais, ajudar na criação dos irmãos menores.

Ela e outra irmã vieram juntas, e se hospedaram na casa da irmã mais velha, casada e com filhos. Dona Nininha sabia que não poderia ficar muito tempo vivendo as custas do cunhado sem arrumar problemas para a irmã, e estava ansiosa por arrumar um bom emprego, que desse para mandar dinheiro para a mãe e ainda ajudar nas despesas da irmã.

Apesar de todos os dias levantar-se cedo para procurar trabalho, retornava no final do dia desanimada, porque além de ser difícil conseguir uma boa vaga, tinha ainda que ser uma oportunidade que satisfizesse os pré requisitos do cunhado exigente. Ele se sentia responsável pelas duas e não abria mão de horários e finais de semana em casa. O emprego deveria ser em lugar respeitável e que não despertasse os comentários de vizinhos. A outra irmã logo conseguiu se empregar; mas Nininha só achava vagas que não satisfaziam o cunhado e nem pagava o suficiente para o fim de que precisava. Era com dinheiro da irmã que ela saia todos os dias e pagava o ônibus para procurar emprego; e o cunhado deu-lhe um ultimato: ou arrumava emprego logo, ou voltaria para casa, porque ele não iria continuar bancando as despesas dela. Ela entendia a situação, porque além do dinheiro da passagem precisavam lhe dar algum para comer. E isso pesava no orçamento deles. Devido a isso ela decidiu uma manhã sair antes que a irmã acordasse e ir a pé procurar trabalho. Já tinha andado a manhã inteira e nada. Estava faminta e com sede, mas não tinha dinheiro para comer. Foi quando viu na rua, um rolinho de dinheiro e ao pegar ansiosamente nas mãos, percebeu que se tratava de uma enorme quantia, comparado ao que precisava para comer e pagar pelo ônibus.

Mesmo com fome, não teve dúvidas, voltou para casa a fim de entregar a quantia para ajudar nas despesas domésticas, e assim acalmar os ânimos do cunhado.

A irmã lhe disse animada que aquele dinheiro era uma pequena fortuna que além de pagar o aluguel do mês ainda daria para compras de mercado. Feliz deu-lhe uma parte para que ela voltasse a cidade para continuar a procurar trabalho. E foi nesse dia que seu destino foi traçado, conforme ela mesmo me disse.

Nesse dia arrumou não só um emprego, mas o grande amor de sua vida.

Ela se viu diante de uma porta com uma grande escadaria cuja porta estava uma placa de procura-se, na verdade era uma vaga para a qual ela não tinha nenhuma experiência, mas isso não seria empecilho àquela jovenzinha pequena na aparência física, mas forte na alma e na vontade de trabalhar. Tratava-se de uma pensão para homens solteiros e ela deveria cozinhar para os hospedes . Panelas enormes e as dificuldades com a inexperiência dariam um frio na barriga de qualquer um, mas ela estava disposta a vencer os desafios. Inventou seus próprios métodos e foi em frente. Como era muita quantidade de arroz, e temendo que o tempero não se apegasse aos grãos e estes ficassem sem sabor, decidiu ferver o sal e o alho junto com a água e isso fez toda a diferença. Logo os hospedes estavam elogiando a nova cozinheira. Entre eles seu José, um jovem decidido e esperto que não deixou passar batido a beleza morena da jovenzinha baixinha e trabalhadeira da pensão. Ficava olhando para ela de longe deixando-a inibida e brava. Ela não estava disposta a dar trela para qualquer um, afinal além do cunhado ser exigente, ainda tinha a questão de caráter que lhe impedia de deixar que um qualquer lhe assediasse sem compromisso. Fechou-lhe a cara e disse-lhe um desaforo:

_ O que foi? Nunca me viu, não?

Seu José se encantou com a moça e não desistiria fácil. No final do dia estava nos pés da escada esperando por ela. Foi logo dizendo que estava a procura de uma namorada e viu nela as qualidades que buscava numa mulher. Seu caráter e sua forma séria de viver, lhe conquistaram e ele pediu para acompanhá-la até em casa. Ela lhe disse que namorar não estava em seus planos. Porque precisava mesmo era de trabalho e dinheiro para ajudar os pais. Ele disse que falaria com o cunhado dela, e que estava disposto a casar-se e levá-la embora para longe da pensão e dos pensionistas atrevidos.

Passivamente como era costume naquela época, Nininha concordou e logo se viu noiva de seu José. Sem delongas, casaram-se sem pompa. Apenas um almoço especial feito pela irmã, com macarrão, frango e maionese, como era costume naquela época, sempre que se queria fazer um almoço parecer uma festa, faziam-se macarrão, frango e maionese. Tempos bons que de vez em quando posso desfrutar quando volto a visitar minha mãe. Ainda ela mantém esse ritual...continua

Rosahoney
Enviado por Rosahoney em 13/08/2014
Reeditado em 14/08/2014
Código do texto: T4921644
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