O Portão

Carlos costa

O portão

Sempre saio para trabalhar no mesmo horário, caminho a passos lentos não tenho pressa. Gosto de saborear cada passo. A espera me deixa ainda mais ansioso, acho que no fundo gosto disso e até prefiro que seja assim.

Dobro uma esquina, passo uma, duas, três, quatro ruas, novamente outra esquina a esquerda, conto doze casas na calçada da direita e enfim o grande portão de madeira. Portão este muito bem feito por sinal, madeira boa bem envernizada deixando apenas duas frestas nas laterais junto à parede. É justamente por uma dessas frestas, onde eu consigo enxergar um pouco do que têm do outro lado. Fico a espiar, e ali como uma criança vendo uma vitrine com deliciosos doces, ou como um noivo embasbacado com a beleza da noiva que entra pela igreja para se casar, fico a observar sua beleza, sua graça, a suavidade de seus movimentos, dando a mim impressão de estar se exibindo, compartilhando comigo a sua beleza.

Eu ali admirando com um desejo incontrolável de tocá-la, senti-la, ou até mesmo conseguir chegar mais perto, para melhor sentir o seu perfume que a brisa levemente traz até a mim.

Muitas vezes pensei em bater, de chamar, quem sabe conseguir algo que me deixe mais próximo dela, porém a minha timidez faz com eu mal consiga levantar a mão para bater e fico encabulado com essa situação.

Vem vindo alguém, procuro disfarçar. É uma mulher idosa carregando um carrinho de feira cheio de compras. Ela passa por mim, olha-me com aparência de quem esta desconfiada e faz uma cara estranha. Sei que é esquisito, um cara como eu de meia idade, maduro, com uma vida tranqüila e estabilizada, um bom emprego e alem do mais casado com uma excelente esposa que amo muito e dois filhos lindos; estar aqui meio agachado espiando por uma fresta na esperança de todo os dias ver um pouquinho que seja de sua beleza.

Muitas vezes procuro disfarçar, vou um pouco mais a frente do portão, dou voltas para certificar que não esteja vindo ninguém. Ou então sento no meio fio e mexo no cadarço do meu sapato, esperando a melhor hora de ir espiar.

Penso sempre nos afazeres que terei naquele dia, repreendo-me por entregar-me assim tão facilmente a ela, penso na minha família, nos filhos e tento ir embora, esquecer essa loucura. Quantas e quantas vezes eu prometi a mim mesmo que toda essa loucura iria acabar e jamais voltaria a passar por aquela rua. Mas como sempre acabo voltando e quebrando a promessa.

Muitas pessoas que passam ou passaram por uma situação semelhante a minha, talvez até pudessem me dar razão e entender o meu desejo muito forte. Outras podem achar que sou imbecil e que estou fazendo papel de criança birrenta que quando quer uma coisa, quer de qualquer jeito.

A verdade é que estou sozinho nessa loucura, nunca contei para ninguém sobre o portão para evitar mal entendido. Desejo-a sim, nem que fosse um pouquinho, mas isto não é uma obsessão, e sim admiração e respeito pelas coisas belas que Deus colocou no mundo para que a nossas vidas ficassem mais fáceis de viver.

Ontem foi o pior dia de todos desde que a vi pela primeira vez, ao chegar a frente ao portão e dar a primeira espiada, não pude ver nada, pois um carro verde que eu nunca tinha visto lá dentro trancava toda a minha visão e não consegui vê-la. Foi terrível para mim, andava pra lá e pra cá, não sabia o que fazer isso nunca tinha acontecido antes. E agora esse carro vem para atrapalhar minha vida. Esperei cerca de vinte minutos, espiei novamente e o carro continuava lá no mesmo lugar. Vendo a sua placa deduzi que seria de alguma visita da casa, pois a placa é de cidade de fora. Só me restou ir trabalhar frustrado, pois o meu horário já estava chegando. Quem sabe amanhã terei mais sorte.

Mal consegui dormir durante a noite, acordei ainda mais cedo e não consegui tomar o meu café da manhã, nada descia pela minha garganta. Arrumei-me o mais rápido que pude, peguei minhas coisas e sai correndo, dando um beijinho nas crianças.

Na minha cabeça só vinha o pensamento do portão e da possibilidade do carro ainda estar lá, eu repetia comigo mesmo, carro não, varias vezes, carro não. Chegando lá e espiando vi que o carro continuava lá, só que mais a frente e dessa vez consegui enxergá-la e como sempre estava linda, deslumbrante, formosa, faltou adjetivos em meu pensamento para descreve - lá. Hoje sim, o meu dia será feliz e completo.

De repente um barulho diferente me assusta e dou um pulo para traz, o grande portão começa a levantar-se, coisa que nunca havia acontecido antes. Eu continuei ali, parado, estático. Pensei em correr, mas as minhas pernas pareciam estar enfiadas em blocos de concreto. A grande barreira que existia entre eu e ela já não existe mais. E agora o que vou fazer: entrar ou não, correr, continuei ali em pé sem reação.

Uma senhora, lá do fundo do jardim acenava para mim sem parar. Ela aparentava cerca de sessenta, ou até mais. Parecia querer dizer algo.

Não tive outra escolha a não ser entrar e ir ao seu encontro até o jardim. Sinceramente tive medo dela, com certeza vou levar uma bronca por todos os dias estar ao seu portão para espiar. Para minha surpresa acolheu-me com uma voz doce e meiga, pegando-me pelas mãos levou-me enfim até ela.

--- Aqui está ela disse em tom orgulhoso, virando-se para mim. Sei que há muito tempo a espia e admira sua beleza. Esta é a mais linda que tenho em meu jardim. Cultivo essa roseira há muitos anos, todas essas lindas flores são resultado de muito trabalho.

E ali estou eu, em frente à roseira que tanto admiro sua beleza, com suas rosas brancas lindas e formosas. É verdadeiramente um presente de Deus que faz com que a nossa vida seja ainda mais bela e serve de inspiração para qualquer pessoa ver que em coisas simples existe a mão de Deus, o criador de tudo.

Despedi da gentil senhora e sai aliviado, enfim pude apreciar de perto aquilo que há tanto tempo só via espiando. Agora não mais passarei pelo portão, ganhei dela uma muda da roseira que irei plantar em casa no meu jardim. Espero logo poder ver a minha própria roseira e assim admira - lá como fazia antes.

FIM