TENTATIVA DE SUICÍDIO

Eu sei bem o que vão dizer, “ele era tão maluco, uma hora ia fazer isso”, a minha psicóloga dirá que sempre tive uma tendência suicida, mas nunca pensou que eu chegaria a esse ponto. E ela vai lembrar das tantas vezes que disse, “você ainda tem muito que viver mocinho”.

Eu sei que todos vocês, meus queridos amigos e colegas, esperavam esse tipo de atitude há muito tempo. A minha psiquiatra, já mais acostumada a esse tipo de comportamento alto-destrutivo, certamente dirá que me orientou com toda a sua atenção desprezível, pedindo para que voltasse caso o meu quadro de depressão piorasse.

Pensei em não usar flores, nunca gostei do cheiro que elas produzem, nem da sensação de despedida que elas causam. Os meus amigos de faculdade, dirão que sempre me admiraram, que o meu poder autoridade e de direção era às vezes eficiente e às vezes desnecessário. Vão lembrar da presepada que foi a gravação do nosso trabalho de conclusão de curso, de como foi difícil defender o nosso ponto de vista e por final de como vencemos. O Gordan vai lembrar que não fui visitá-lo no hospital, o Túlio e o JP vão lembrar de alguma piada, o Léo vai reafirmar para todos que eu não deveria ter feito isso.

Sempre tive dúvidas se seria enterrado ou cremado, acho o maior barato o pessoal na Índia que joga o corpo no rio. Porco, mas legal paca. O pessoal da rua vai comparecer em peso no meu enterro, a Célia vai dizer que desde o meio do ano passado eu estive sumido e lembrará com saudades das noites em que tomávamos vinho e falávamos dos nossos amores perdidos. Rose vai disser que eu contei o contato com ela quando ela mudou de bairro, e que tinha muita esperança em mim. O Rafael vai tocar as músicas que escrevi, quando eu estava apaixonado, até mesmo aquele que nunca fui capaz de explicar toda a letra. O Cabral vai tomar uma dose, enquanto a Carla repete “putz o Nhoc”.

Lógico que irei sentir saudade, e quem não sentiria falta de tanto amor. Não consigo imaginar a reação da minha avó, isso de maneira alguma eu sou capaz de imaginar. Minha tia vai chorar sem parar, lembrará que eu era como um filho para ela, que cuidou de mim quando era pequeno. Mãe é mãe. Sei se ela vai sentir uma grande decepção por eu não ter agüentado firme, vai lembrar que eu sempre fui um menino muito inteligente, mas que nos últimos meses estava totalmente diferente. Meu irmão vai exclamar “o Bebê é foda”.

É lógico que as minhas lágrimas escorrem sem parar, tive muitos amores é bem verdade, as melhores pessoas que poderiam cruzar o meu caminho. Elise nem ficará sabendo tão cedo, e quando souber vai dizer que eu nunca tive coragem de lutar por ela, o meu amor mais puro. A Jessyka não irá ao velório nem ao enterro, sei até as suas palavras “em respeito ao meu namorado”, vai dizer que sempre confiou em mim, mesmo tendo a deixado sem explicação quando ela estava mais apaixonada. A Jack não vai dizer nada, nunca disse e nunca dirá um níquel de como se sentiu quando descobriu que eu a traía. Priscilla nunca irá saber, nunca sequer soube que eu a amei.

Tenho medo de sentir frio, ou até mesmo sentir calor. Maria irá chorar e vai rezar para que eu encontre paz onde que eu esteja, vai lembrar de como tudo começou no dia em que estava bêbado, vai lembrar que foi a primeira e o quanto me ajudou. A Sheylla com toda a certeza me mataria se já não estivesse morto, diria que eu sempre fui uma pessoa maravilhosa e que me ensinou a ouvir música de qualidade e que foi para ela que conhecei a escrever e sempre escrevi, lembrará do cinema, do parque. Munique ficará sabendo após uns dois meses, lembrará que mesmo eu sendo apaixonado por ela nunca tentei um beijo, e ela nem sabe que foi responsável pela minha primeira crise moderna quando não soube decidir entre eu e outro. Belta vai disser que eu nem dei moral quando a conheci, que me amou de verdade e que não teve culpa pela semana que sumiu, vai lembrar dos dias no seu apartamento e de como me chamava “flop flop”.

Quero que tenha café de sobra para todo mundo e talvez uma festa depois. Fabí dirá que estava confundindo tudo, que já havia discutido várias vezes comigo sobre esse assunto, lembrará da festa do curso, do passeio na lagoa e de como me deixava calmo. O meu cachorro terá a cama só para ele durante as manhãs, todo o sol para ele.

Um copo americano, um pouco de creolina, um pouco mais de querosene e muita água sanitária. Bebi tudo em dois goles, como se não fosse o bastante tomei alguns comprimidos para a pressão. Começou a sangrar o nariz, depois vomitei sangue sem parar. Comecei a perder a consciência e cai desacordado. Tive que pedir ajuda e passei a madrugada toda no posto de saúde tomando soro e respondendo o porquê fiz isso.

Tenho que ficar o dia de cama, em repouso, tomando muita água e muito soro. Tenho que conviver com o olhar de piedade e dó das pessoas que me amam. Vão olhar diferente até quando eu for atravessar a rua, vão demorar muito para esquecer.

Eu sei que vão dizer que eu não consegui. Mentira, algo em mim morreu.