A Vovó Não Vai Mais Dormir Aqui
Ela foi quem atendeu o telefone. Depois de minutos muda, sem qualquer reação, caiu no sofá, e inevitavelmente vieram as lágrimas. Sua filha Georgia, de 4 anos, a olhou e estranhou:
- Mamãe... Tudo bem?
- Tudo, meu bem. Tudo... - limpou as lágrimas e deu um meio sorriso.
Georgia ficou com a babá quando a mãe saiu as pressas pela porta.
- Cadê a mamãe, Rose? - perguntava Georgia a babá.
- Daqui a pouco ela volta. Você quer um chocolate quente?
- Sim - a menina dos olhos cor mel e a franja atrapalhando a visão, sorriu acanhada. A xícara num instante ficou vazia. A babá a distraía; trazia agrados, doces e brinquedos para que a longa ausência da mãe não fosse sentida. Georgia, de vez em quando, olhava para porta. Rose recolheu a louça da mesa e voltou para a cozinha. Passava do meio-dia. E a menina aproveitou, subiu na estante com aquelas pequeninas mãos, alcançou um lápis e papel. Rose escutou algo caindo, deu uma olhada e a viu no chão; sorriu antes de levantá-la e pegou o porta-lápis que tinha caído. Georgia começou a rabiscar com um lápis preto, fez dois círculos um ao lado do outro; alguns traços para os braços e pernas, e com outro lápis de cor, pintou por cima como vestidos. Desenhou os cabelos, olhos e a boca, as bonecas estavam felizes. E ainda pintou um jardim florido como cenário. Levantou-se e foi mostrar a pintura para a babá. Rose notou que a primeira boneca era maior e seu cabelo era cinza.
- Quem é essa daqui? - perguntou.
- É a vovó - apontou a menina - Quando ela chegar vou mostrar a ela.
Rose deu um meio sorriso. Pobre Georgia. Não sabia, apenas viu Dona Irene sair na noite anterior acompanhada de sua mãe, que chegou quase de madrugada. Ela relembrou o quanto as duas se gostavam, mesmo com a voz comprometida a avó fazia questão de retribuir o carinho a neta, brincavam e sorriam.
Nuvens se amontoavam no céu escurecendo o dia claro.
Georgia viu a babá no telefone, mas voltou a atenção nos brinquedos. A pintura estava ao lado. O céu agora estavam completamente escuro. Rose olhava impaciente para o relógio. Enfim, escuta-se um barulho de porta batendo. A menina ergueu os olhos, sua mãe pendurava a bolsa com uma expressão vazia, olhos inchados, passou por ela e foi para o quarto. Rose a acompanhou com o olhar.
Jogou a jaqueta de lado e sentou na cama, prendendo o folego. Outra vez escuta-se um barulho de porta batendo. Ela escuta passos curtos vindo do corredor, Georgia, com o olhar curioso e inocente.
- Mamãe... Mamãe...
Ela apenas acariciou seus cabelinhos macios.
- Tudo bem?
- A mamãe só está cansada... - mentiu. Notou um papel na mão da menina - O que é isso?
- Sou eu e a vovó... - apontou para a bonequinha.
Sua mãe encheu os olhos d'água.
- Georgia, meu bem... A vovó não vai mais dormir aqui...
E choveu.
(Saudosa lembrança, minha avó)