O casamento de Milena

Milena tinha trinta e dois anos e era única filha de um casal de empresários bem-sucedidos no Pará. Mas havia três anos que seus pais morreram num trágico acidente aéreo em São Paulo, ao irem de Belém para o Rio de Janeiro. Dona de um soberbo patrimônio, apesar de muito elegante e atraente, já havia recusado três propostas de casamento, pois sempre depois de um certo período sondando os noivos, descobria desolada que não eram suas qualidades pessoais que de fato os atraíam. Sendo a delicadeza em pessoa, terminava discretamente sem críticas rancorosas à pessoa do noivo.

Gregório, um rapaz de trinta e seis anos, era o homem mais meigo, carinhoso, sincero e companheiro que Milena conhecera. Advogado, desde o início da carreira dera mostras do quanto cresceria em sua profissão por sua inteligência e disposição para o trabalho. Milena tinha consciência do quanto era invejada por muitas de suas amigas. Geisa, a que mais lhe suscitava reservas, era jovem, bonita e muito simpática. Entrando em seus vinte e seis anos, esta era filha de velhos amigos da família, por isso Milena a tolerava com discrição.

Agora sim Milena sabia que havia encontrado o homem de sua vida, com quem gostaria de dividir tudo: alegrias, tristezas, problemas, fortuna, viagens, a vida e mais o que fosse possível. Sua certeza era tamanha, e o desprendimento dele maior ainda, que só uma coisa temia: ele seria dela enquanto outra não lhe conquistasse o coração. Gregório sempre deixara transparecer o quanto estava apaixonado por ela. Era um homem sentimental e Milena sabia o que move um homem ou uma mulher sentimental. Estes são capazes de sacrificar qualquer coisa pela pessoa amada. Milena reconhecia ter sido ele o único a quem amara de verdade até então e estava feliz por ser o centro do amor de Gregório, temia, porém, um dia deixar de sê-lo, já que as pessoas sentimentais são honestas, não andam à caça da paixão, mas esta pode surgir inesperadamente, subjugando-as. E ela sabia que tipo de pessoa poderia encantar Gregório.

Não obstante, tinha certeza de que estava no caminho certo. Sua prima Vânia ajudava-a a refletir com mais otimismo sobre suas preocupações exageradas: se tinha chances de durar pouco, também havia muita probabilidade de durar para sempre: por que dar mais crédito só ao pior?.

Vânia era a pessoa que mais a compreendia e em quem Milena sabia que podia confiar. Depois da morte de seus pais, Vânia mostrou-lhe o quanto vale uma amizade. Dois anos apenas a separavam na idade. Milena era a mais velha, todavia Vânia era muito segura em seus aconselhamentos. Preocupava-se tanto com a prima encalhada que desistiu de paquerar Gregório quando percebeu o interesse da prima por ele, aceitando a recíproca deste como verdadeira.

Talvez, pensava Milena, fosse a gratidão que Vânia lhe tinha por tê-la ajudado tanto financeiramente que a fizera apresentá-la a Gregório e desistir dele. Apesar de que só depois Milena soubera dessa generosidade da prima. Outrossim, os pais de Vânia, que também já haviam morrido, teriam sofrido mais dificuldades ainda, depois que suas fábricas faliram, se não tivessem sido ajudados pelo primo Henrique, pai de Milena. Esta comentara com a prima sobre Geisa. Vânia a tranqüilizava asseverando que a mesma não lhe era páreo. Mais sossegada, Milena definira com Gregório a data do casamento.

***

Um crepúsculo funéreo, que espiava a noiva pela janela de seu quarto, incitava a melancólica aparência do ambiente. Milena ligou uma luz fraca, abriu uma gaveta do armário embutido e, enquanto olhava lutuosa para o pacote ali dentro, suas lágrimas decoravam-lhe a seda da blusa. Não podia descer daquele jeito, toda abatida, para ver o noivo. Tomou de novo uma ducha, trocou de roupa, jogou às costas a cabeleira bem tratada, desceu com glamour a escadaria larga e acarpetada e abraçou carinhosamente Gregório, que, já familiarizado com a exuberância do futuro lar, retribuiu o carinho como de costume.

Mesmo sabendo que aquilo não faria diferença no orçamento de sua noiva, Gregório, como homem à moda antiga, fazia questão de custear todas as despesas do casamento. Não era rico, mas, como um advogado que prosperava na profissão, tinha boas reservas financeiras e podia fazer empréstimos sem maiores problemas. Milena não o desagradou. Deixou-o fazer como queria, mesmo porque não seria uma cerimônia tão extravagante. Duzentas pessoas ao todo: alguns amigos da família, entre estes, jornalistas, médicos, advogados, delegados; parentes, amigos e colegas de trabalho de Gregório, além de parentes de Milena e alguns funcionários de suas empresas.

O casamento civil e religioso seria no mesmo local da recepção. Um clube imenso fora alugado. Ao alto, à direita do centro do salão, havia um telão para que os demais distantes pudessem assistir a todos os detalhes das duas cerimônias.

Milena não poderia estar mais deslumbrante no vestido de noiva que Vânia a ajudara a escolher. Geisa a olhava com um ar sombrio. O ambiente estava muito agradável e laboriosamente ornamentado. Uma pequena orquestra fazia um fundo musical bem suave. Vânia, que era uma das testemunhas, olhava sorridente para a prima, que devolvia o sorriso receptivo. Assim que Milena fora entregue a Gregório por Alfredo, seu tio, pediu a atenção de todos para uma rápida homenagem que gostaria de fazer antes de a cerimônia ter início. Fez um sinal e a cena no telão mudou.

Todos puderem assistir à cena que passava no vídeo: “você não vai amolecer, querido, depois deste casamento! Não mude o que combinamos: apenas seis meses pra que você ponha em prática o que planejamos.”/ “Não fique ansiosa, minha flor, vai dar tudo certo, eu prometo. Logo Milena irá descansar ao lado dos queridos pais.../ “E nós lhe daremos o enterro mais invejado do ano!/ “É, e choraremos sua morte como duas crianças .../ “Duas pobres crianças ricas...he...he...he...he...”...

Este foi apenas um dos trechos do vídeo, que finalizava com os dois cínicos se beijando e rindo como os mais abjetos indivíduos.

Enquanto o casal, Vânia e Gregório, seguia para prestar depoimento sem ter onde enfiar a cara de ódio, e ao mesmo tempo de desprezo por si mesmos, Geisa _ sabedora do quanto Vânia era falsa para com a prima _ e Alfredo sustentavam solidários a noiva pelos braços, os quais Milena enrijecia não sabendo de onde buscou força para suportar tudo calada e ter tido coragem para dividir com todos, e naquele momento, sua decepção. Contudo, de nada se arrependia, mesmo sabendo que sua má sina sustentaria por alguns dias as manchetes da imprensa especializada em escândalos.

Janete Santos
Enviado por Janete Santos em 21/05/2007
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