Problemas com nosso filho

Comecei a desconfiar que meu filho estava com problemas depois que ele viu que não passara no concurso que fizera para analista do INSS. Tentei animá-lo, dizendo:

-Calma, meu filho. Você sabe que fez tudo que podia. E concursos estão muito concorridos mesmo.

-Mas é mais um concurso que eu não passo, mãe. O que há de errado? Até quando vou ficar nesta rotina assassina de só estudar e me perguntar quando vou ter minha segurança financeira?

-Calma, querido. Você é um rapaz inteligente. Quem sabe, Deus não está lhe guardando algo bem melhor.

-Eu não quero algo melhor, mãe! Quero um emprego, nem que seja só de um salário mínimo! Não ligo se o emprego que eu conseguir estiver ou não à minha altura, porque, para mim, o que importa é trabalhar!

Eu estava sozinha na tarefa de animar meu filho, que parecia realmente cansado. A irmã mais nova tinha sua própria vida para viver, com a preparação para o Vestibular e o pai só fazia cobrar:

-Esse rapaz não arruma emprego não?

Muitas vezes, eu me zangava com meu marido e reclamava:

-Você acha que arrumar emprego está fácil assim? Já viu quanta gente está desempregada? E não vê o esforço do rapaz, que se mata de estudar?

-No meu tempo, quem queria passar numa prova, passava. Esses jovens de hoje são cheios de frescuras.

Como consequência das frustrações por não conseguir um emprego e das pressões exercidas pelo pai, que não perdia uma chance de dizer que "morria de inveja de Fulano, cujo filho passara num concurso dificílimo", meu filho foi ficando mais quieto. Acordava tarde, demorava a sair do quarto e passava as madrugadas vendo televisão e bebendo. Isso mesmo, ele estava bebendo. Ao saber disso, meu marido esbravejou:

-Esse inútil, além de ser tão burro que não consegue passar num concurso e arrumar um emprego, está dando para bêbado?

-Que posso fazer, pai? Não sou inútil porque quero. O senhor mesmo viu como me esforcei para passar num concurso e tentei arrumar emprego, deixando meu currículo em não sei quantos mil lugares, para deixar de ser um peso para o senhor, que vive frustrado por seu filho não corresponder às suas expectativas!

Houve uma vez que não aguentei e chamei meu marido:

-Acho que há problemas com nosso filho, Clemente.

-Que problemas esse idiota pode ter? Ele tem tudo, não trabalha, não precisa se esforçar para conseguir nada.

-Meu Deus, homem! Não posso contar com você para nada?

-Ah, então, agora, eu sou o pai carrasco, é? Não tenho sustentado esse idiota, pago as contas, dado comida e roupa a ele? Já faço demais!

Meu filho foi piorando até que, um dia, vi que ele não queria sair do quarto.

-Querido, saia do quarto. Venha comer.

-Estou sem fome, mãe.

-Você vai adoecer.

-Por favor, mãe, me deixe.

Fui servir o café e meu marido indagou:

-Ele não quer levantar?

-Não.

-Ele passa as noites em claro, por isso, não levanta mais na hora.acrescentou a minha filha.

-Não, isso não é normal. Ele sempre foi um rapaz cheio de vida, alegre, estudioso, com muitos sonhos. Nosso filho não é assim.

-Que podemos fazer se ele não aguenta o fato de não ser capaz de arrumar emprego?meu marido deu de ombros.

Enraivecida, eu retruquei:

-O Roberto não é incapaz, seu insensível! Ele sempre foi bom aluno e bom filho, mais do que você, que sempre foi exigente e carrasco, merece! Eu vou ajudar nosso filho!

Fui à porta do quarto de Roberto, batendo nela. A resposta foi dolorosa:

-Mãe, por favor, me deixe em paz.

-Não, não deixo. Roberto, você não está bem, meu filho. Abra a porta.

Escutei passos hesitantes e vi a maçaneta da porta se movendo. Roberto a abriu e eu pude ver bem de perto como ele estava: magro, com olheiras profundas, pele amarelada, barba por fazer e cabelo desgrenhado. Sentou na cama.

-Fale, mãe.

-Diga, meu filho, o que você sente?

-Um cansaço profundo, mãe. E uma pressão imensa aqui.levou a mão ao peito.

-Você precisa se abrir, meu filho.Não pode guardar isso tudo para você.

-Mas o que vou dizer? Que não sinto vontade de fazer nada, que me sinto frustrado, porque sempre sonhei em ser útil, em fazer com que minha vida tivesse um significado? Mãe, como posso fazer isso se não arrumo emprego e acabo passando os dias assim, totalmente à toa, inutilmente?

-Meu filho, você não é inútil, porque ninguém é.

-Mas saber que não sou inútil não diminui a frustração que sinto.

-Vamos procurar ajuda médica. Isso não é você.

-Está bem, mãe. Vou procurar, mas porque você está pedindo.

À revelia do pai, levei Roberto ao médico e o diagnóstico veio por exclusão: ele tinha depressão psíquica. Teria que se medicar e fazer terapia. Meu marido se revoltou:

-Depressão? Pois quer saber o que é isso? Frescura! No meu tempo, homem que era homem enfrentava os problemas em vez de ficar no canto feito mocinha!

Roberto não disse nada enquanto o pai jogou essas palavras na cara dele, ficando sentado no sofá com ar apático.

-Era só o que faltava: um filho pirado! saiu da sala, contrariado.

Eu sentei ao lado dele, dizendo-lhe:

-Não se preocupe, filho. Eu vou ficar ao seu lado e vamos vencer isso.

-Será, mãe?

-Tenho certeza de que sim. Não desista de si mesmo, nunca.

Meu filho recostou a cabeça no meu ombro, do mesmo jeito que costumava fazer quando menino. Seu futuro era incerto e ele precisaria de mim mais do que nunca.