Sebaldus o padeiro traído. [Contos de Cidade Pequena]

Agora com noções de legislação educacional.

A duas quadras da Matriz, fica a velha padaria de Sebaldus, não entendam “velha” como um demérito àquele estabelecimento e sim como um intensificador temporal, ou mais simplificadamente uma qualificação relativa ao número de anos transcorridos desde sua inauguração ainda nos tempos de seu velho pai.

Foi deste que herdou o ofício bem como toda a padaria. Sempre sovando a massa com a devoção de um oleiro e admirando cada nova fornada como uma tela fresca recém pintada.

Martha é sua mulher, licenciada em pedagogia, nunca havia lecionado não até sua tia Francisca assumir a direção da escola da cidade. O destino, que nesse caso possuía nome e sobre-nome, levou o colegiado da mesma escola a aprovar a inclusão de um novo conteúdo extracurricular na grade da escola; “Moral e Ética”. Uma daquelas ações as quais se aplica a expressão; “matar dois coelhos com uma paulada só”. Primeira ajudar uma colega a progredir na vida profissional, é lógico que o grau de parentesco na situação não passa de uma coincidência, o que em si já é moral e ético além de louvável. E segunda tentar, já que em sonhos tudo é possível, resgatar aqueles valores perdidos pela juventude como respeito, honestidade e ética. Veja bem perdidos pela juventude e não pelos adultos é lógico.

E foi assim que Martha passou a ser a professora de “Moral e Ética” do colégio.

Como uma incongruência acadêmica, seu marido se quer completou o antigo científico, abolido pela 9394/96¹, o que não lhe desmerecia, pelo menos segundo meu ponto de vista, frente a qualidade de seus serviços.

O padeiro tem o costume, ou melhor, a prática de acordar todos os dias as três da manhã a fim de nos preparar o pão de cada dia e é com uma fidelidade apostólica que exatamente as quatro e meia da manhã, coloca no forno já pré-aquecido o primeiro lote de pães.

Sua esposa não. Acorda as seis e sempre se vê só na cama, sem alguém com quem compartilhar o primeiro “Bom Dia!” entusiástico carregado do doce hálito matinal. É que enquanto Martha acorda, Sebaldus já soma a terceira hora do seu dia, atendendo os primeiros clientes na padaria. Dentre os quais um jovem e robusto açougueiro, que trabalha do outro lado da rua.

Ultimamente nosso amigo padeiro tem começado a sentir os rigores dos anos, ”nada preocupante”, afirmou seu urologista. Mas já não conta com a mesma virilidade de alguns anos atrás. Nada que um complexo vitamínico a base de ginseng, catuaba e guaraná, não resolva, e o mais importante:

_No mínimo oito horas de sono!

Advertiu o médico.

Enquanto isso a carreira profissional de Martha aos poucos vai decolando.

A tia de Martha, digo, a diretora do colégio resolveu estender o conteúdo “Moral e Ética” também as classes do EJA², previsto na 9394/96, (...) (aqui se faz uma breve pausa a fim de expressar o assombro do autor diante de tal atitude). Nas quais em uma delas estuda o robusto açougueiro que trabalha do outro lado da rua, tomando a padaria de Sebaldus como referencia é claro.

Falando no padeiro... Seu tratamento médico ainda que eficaz, tem trazido alguns... Digamos... Desfalques na vida do casal.

Para o bom êxito do tratamento Sebaldus deve dormir pelo menos oito horas, se ele acorda as três da manhã seu sono no mais tardar deve iniciar às dezenove horas, porém o turno da noite onde Martha a pouco começou a lecionar só se encerra as vinte e três horas, horário no qual Sebaldus completa já exatamente cinqüenta por cento do total de seu clínico sono.

A ausência de Sebaldus durante as manhas de Martha já a deixava um tanto quanto descontente, mas letargia de seu cônjuge a noite quando Martha chega do trabalho foi a gota d’água.

Agora Martha, a professora de “Moral e Ética” tem se encontrado com o açougueiro. Sim! Aquele mesmo que trabalha do outro lado da rua.

E Sebaldus?

Ah! Sebaldus dorme e se recompõe para o dia de amanhã.

1.9394/96: Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Vulga LDB.

2. EJA: Educação de Jovens e Adultos