A filha do vereador [Contos de Cidade Pequena]

Em frente ao hospital fica a enorme casa do vereador Alfredo, ou doutor Alfredo como é conhecido, não “doutor” de profissão ou título, mas só doutor mesmo. Creio que o pronome lhe foi atribuído em respeito aos bens dignamente conquistados pelos honorários obtidos em seu igualmente digno cargo público.

Em seu segundo ano do segundo mandato, é proprietário além do palacete onde vive, também de duas fazendas nas imediações da cidade onde sua criação de nelores de corte vai de vento-em-popa. Não bastassem suas fontes monetárias, como atividade extra, realiza empréstimos caridosos àqueles que necessitam e em tempo oportuno lhes cobra o pagamento da quantia disponibilizada a “módicos” juros acumulativos (tal profissão possui uma denominação específica que convém ser omitida). Seu último investimento, com finalidade de otimização de lucros e coibição da inadimplência foi a contratação de dois jovens assistentes (auxiliares de serviços gerais), os gêmeos Air e Adair, freqüentadores da academia de jiu-jitsu.

Sua esposa é dona Graça, cantora assídua do coral das pomposas missas de domingo à noite, freqüentadas em sua grande maioria, por políticos, comerciantes e seus nobres amigos emergentes. Dona Graça, apesar de respeitada, nunca foi vista com bons olhos pela cidade devido a seu excesso de altivez e indiferença com aqueles que não são providos de mesma condição financeira, ou pelo menos status social equivalente.

Doutor Alfredo tem dois filhos o mais velho chama-se Edgar mora na capital, é matriculado no curso de engenharia, ainda que sua freqüência às aulas da universidade não seja muito freqüente, mas isso é uma outra história.

A filha mais nova é Annita de pureza incontestável, pelo menos é o que crê seu inocente pai.

Ó fato é que há uma semana Annita, descobriu que vai ser mãe e aos prantos compartilhou esse conhecimento com a futura vovó dona Graça, que por sua vez chorosa procura ajuda com o padre Carlos, por não saber como dar tal notícia ao seu ríspido marido. Como se o jovem padre tivesse parcela de culpa nesse desmoralizante incidente. Ossos do ministério sacerdotal.

Falando em parcela de culpa o leitor pode estar se perguntando: “E o pai?”.

É justamente aí que mora o escândalo, o pai viaja longe em uma vizinhança desconhecida. E nem mesmo a futura fúria de doutor Alfredo poderá vingar a perdida castidade de sua filha. Já que ele é ninguém menos que Rondin, o mágico do circo que há quinze dias recolheu a lona e deixou a cidade indo para “Deus sabe onde”.

É certo que a grande maioria da cidade não simpatizante com a ostentação daquela soberba família anda ainda que sigilosamente se rejubilando do boato que corre na cidade.

_Bem feito, eles são muito bons? Ai ô!

E outros.

_É... Quem sai aos seus não degenera! – disse Anísio, o velho caixeiro-viajante, se referindo ao passado obscuro de dona Graça conhecido por poucos, já que esta é natural da cidade vizinha.

Assim enquanto o rumor corre, Annita gera, espera e ocasionalmente chora, sua mãe só chora, seu pai ainda inocente, já que ainda não apareceram indícios visuais da gravidez de Annita, explora, ou melhor, trabalha e Rondin. Ah, Rondin longe segue sua vida itinerante, tranqüilo e ausente, ao que deixou para traz.