Três Entrevistas, Uma Festa e Você Assistiria Alguém Trepar?

*Parte 1*

O seguro desemprego acabou.

Estava vivendo das sobras da indenização, ser demitido tinha suas vantagens afinal, porém, após sete meses de pura vadiagem improdutiva, o dinheiro simplesmente começou a sumir e quando isso acontece, também somem os poucos prazeres da vida aos quais temos acesso e então não tem mais jeito, é preciso ir nas agências de emprego, nos postos de trabalho, ficar entregando currículos em lojas e esperar. O resto é esperar, pela entrevista, pelas perguntas e testes cretinos, pelo próximo idiota que vai confiar nas suas sinceras mentiras a respeito do seu desejo de trabalhar naquela companhia (ou de apenas trabalhar). Sempre haverão otários que acreditam no próprio intelecto, portanto, sempre há otários pra enganar e conseguir a vaga.

Era alertado constantemente por aqueles ao meu redor, diziam que eu deveria arrumar logo um emprego, que o tempo estava passando e eu estava ficando pra trás na grande corrida do sucesso e da aquisição de bens, mas eu, bem... Eu acordava, olhava pra minha cara de infelicidade no espelho, olhava pras roupas que devia vestir quando saia de casa pra agradar patrão e ó Deus que coisa horrível! Isso sempre me embrulha o estômago, fazer esse jogo de interessado e funcionário exemplar me dói. Profundamente.

Vestia-me bem, tentava dar um jeito na minha cara de coisa alguma, calçava um sapato que aguenta longas caminhadas e me punha a distribuir currículos pela cidade, porém com o tempo, percebi que a cidade onde moro é completamente infrutífera, é um lugar morto e sem qualquer movimento. Ribeirão Pires é a cidade mais estática do mundo, há quarenta ou cinquenta anos que continua a mesma merda. Portanto, pulava pras cidades vizinhas e fazia meus giros por lá. Primeiro Santo André, aquela mãezona, cidade recheada de empresas que contratam qualquer pé rapado sem futuro.

Distribuía os currículos pelas milhares de agências que existem no centro de San Andreas. Entregava os mais atualizados nas agências de pior aspecto, aquelas que só de olhar você sabe que só conseguirá empregos ruins (mas conseguirá algum emprego). Por que eu fazia isso? Simples. As agências de melhor aspecto, bem pintadas e mobilhadas, com enormes fachadas e funcionários de uniforme, são embustes. Elas PARECEM ser mais eficientes, mas nunca dão resultado algum. A melhor estratégia é entregar os currículos mais atualizados nas de pior aspecto e deixar as sobras de outros giros, feitos nos anos anteriores, para as mais ajeitadas. Dessa forma, sentia-me de consciência tranquila pois dei chance a todas de me contratarem, ou de não o fazerem (depende da perspectiva). Depois de bater perna por todas as agências de San Andreas, me dirigia para Mauá ou São Bernardo do Campo. Mas em Mauá só se entra em roubadas e em SBC, você tem a certeza que vai acabar em uma daquelas fábricas cheias de frescuras e regras de conduta e padrões de higiene e chateação.

Contudo, já faziam uns quinze dias que havia distribuído os currículos e quase sempre, depois de quinze contados dias, o telefone começava a tocar.

"Sr. Risério?"

"Sou eu."

"O senhor está trabalhando neste momento?"

"Não."

"Gostaria de ouvir a respeito de uma proposta de emprego?"

"Claro."

É um padrão, é sempre igual. O primeiro contato foi para uma vaga como auxiliar administrativo bilíngue em uma grande montadora de caminhões, alemã ou sueca (sei lá), em SBC. As entrevistas eram feitas em São Paulo, aquele lugar mágico e macabro, aqueles prédios, prédios altos, tão altos (São Paulo sempre me fascinou)... O salário e os benefícios eram magníficos, coisa fina, logo, eu sabia que só fui chamado por mera educação, jamais seria contratado por eles. Eu não tinha O PERFIL para aquela vaga. Não que ficasse triste com isso, não, era trabalho tenso, cheio de prazos e meta e regras e chefes, chefes por todos os lados, chefes fazendo cobranças, chefes fazendo discursos, chefes pedindo comprometimento, chefes pedindo hora extra não remunerada, chefes que amam funcionários que trabalham felizes com seus empregos, chefes falando alemão, chefes falando inglês, chefes cagando, chefes mijando, chefes, chefes, chefes, CRISTO! Me deu até certo ânimo não receber mais notícias daquele processo seletivo. Algo nesse tipo de trabalho me deixa horrorizado (só não sei o quê ainda, mas estou tentando descobrir).

Na mesma semana, recebi outro telefonema, dessa vez, pra uma vaga em um call center lá na Avenida Paulista, no centro de São Paulo. Não sei como as agências conseguiram me encaixar lá, mas conseguiram e eu tinha uma entrevista agendada (esse Risério é um cara de sorte). O salário era bom, os benefícios também. Para um cara sozinho de gostos simples eram mais que satisfatórios. Tratava-se de uma vaga para atender clientes de uma empresa que vendia planos de saúde, porém, por e-mail. Uma barbada! Pensava naquela vaga e não me soava nada mal. Trabalho fácil e sem complicação. A entrevista foi num enorme call center localizado na Lapa. A Lapa é um bairro feio pra caralho, que fica do outro lado da conurbação. Eu gastei duas malditas horas só pra chegar lá. Pelo telefone, fui informado que o prédio onde ocorreria a entrevista ficava ao lado da estação, se eu conhecesse a sacana que me disse isso faria ela andar aquela distância toda! Filha da puta! Ficava três ou quatro quilômetros longe da estação, era uma caminhada braba e choveu a beça no dia. Meus sapatos (já velhos e bastante gastos) simplesmente se encharcaram. A cada passo eu escutava ele expulsar a água como quando se aperta uma esponja. Também tive de passar por uma passarela subterrânea estreita e sombria, cheia de pichações e convites à revolução. Havia um pedinte deitado na saída sem que ninguém desse a mínima e no chão, ao lado do pedinte, havia um pão francês largado com dez ou quinze baratas bem gordas andando em sua superfície. Joguei-lhe uma moeda, afinal, estamos todos mendigando dinheiro (na rua ou nos empregos) para satisfazer nossos vícios sórdidos, não é?

A Lapa me impressionou negativamente, era um bairro desumano e labiríntico, causava-me um pânico claustrofóbico, inexplicável, sentia pressa em sair dali o mais rápido que conseguisse (e pensar que minha mãe morou aqui quando muito criança), mas eu tinha uma entrevista e não podia, não iria desistir agora apenas porque esse subúrbio é desolado e abandonado pelas autoridades políticas, legais e por Deus.

A entrevista foi um tédio, muito previsível, incapaz de ser surpreendente em qualquer sentido. Contando comigo, haviam outros três candidatos, um rapaz alto de olhos apertados, uma moça esguia e esnobe que já trabalhava com eles e queria aquela vaga e um engomadinho que emanava superioridade em cada singelo gesto. Ele também já trabalhava lá e queria apenas trocar de cargo. As perguntas e as dinâmicas foram do nível mais boçal permitido (é péssimo ter de responder com qual animal me identifico, é algo completamente estúpido e pior ainda, ter de fazer uma redação sobre mim mesmo e meus planos e cooperar em uma dinâmica com esses estranhos mesmo sabendo que tudo é uma grande pegadinha). Ficou muito claro durante as apresentações quem seriam os contratados para as duas vagas disponíveis. Dos quatro, como já expliquei, dois já trabalhavam na empresa e me pareceu que eu, e o outro rapaz dos olhos apertados estávamos lá meramente pela obrigação que a empresa tinha de abrir o processo seletivo para público interno e externo. Para passarem a impressão que estão dando oportunidade para todos, ainda que lá no fundo você sabe ou sente que não é bem assim que a coisa toda funciona... E minha dedução estava correta. Os dois que já trabalhavam lá clamaram as vagas. Os sorrisos que os entrevistadores direcionavam para eles deixaram tudo muito claro.

Fiquei um pouco decepcionado, mas foi um alívio deixar a Lapa. A única flor naquele dia foi olhar as belas morenas no percurso do trem, mas isso não passava de um consolo momentâneo: O dia já havia azedado. Ainda naquela mesma semana, recebi uma terceira proposta, a menos interessante de todas as três aqui descritas, e mal sabia eu onde estava me metendo...

*Parte 2*

Lá estava o Risério novamente, pegando o ônibus pra São Bernardo do Campo para a tal entrevista. Um emprego exatamente igual ao meu anterior e talvez, por essa mesma razão, isso fizesse dessa proposta a menos interessante. Quase me atrasei, contudo, consegui chegar religiosamente no horário marcado (o que foi bobagem de minha parte visto que todos os que chegaram no horário combinado tiveram de esperar os que se atrasaram). Era uma dessas entrevistas feitas em grupo, normalmente em demoradas e massantes sessões. Quando percebi isso, já vi a cena toda na cabeça... Vamos nos sentar, ouvir a história da empresa, o quanto ela é boa de se trabalhar e séria quanto a conduta de seus funcionários depois vamos nos apresentar, um por um, contando nossas histórias de vida (vidas muito sem graça por sinal) e no meio das apresentações vamos responder perguntas aleatórias sobre nós mesmos e nossos hobbies. Eu acho que entrevistas são assim, foi em uma, foi em todas.

Não levei nada daquilo muito a sério. Em um dado momento a entrevistadora me perguntou por que havia ESCOLHIDO trabalhar com eles. Bem, para dizer a verdade, não escolhi porcaria nenhuma, recebi apenas um telefonema me convidando para o processo seletivo e, como estava desempregado, não tinha nada a perder. Mas dizer que isso foi uma escolha? Até parece! Quem em sã consciência escolhe trabalhar com telemarketing?

O Brasil tem um problema sério quando se trata de entrevistadores. Nunca vi um muito esperto ou que me parecesse capaz de julgar adequadamente quem tem o melhor perfil para o emprego. Talvez isso aconteça pois copiam (brasileiros copiam muito os outros povos) quase todas as técnicas estrangeiras, norte-americanas, europeias e asiáticas. Elas podem até funcionar lá, mas aqui, aqui a banda toca num ritmo bem diferente e todo mundo sabe disso, exceto os entrevistadores.

Passei na entrevista, todos passaram. As empresas de telemarketing são pouquíssimo criteriosas e contratam qualquer pessoa, a entrevista é uma formalidade para vender uma imagem de seriedade e competência. Bobagem. Quando você está lá dentro percebe que a coisa só piora, só tende a piorar, sempre. A mulher que trabalhava nos Recursos Humanos era muito simpática, sorria e sempre auxiliava, aquele tipo de gente prestativa, explicou tudo que precisávamos fazer e pediu que cada um preenchesse uma ficha de cadastro. Fiz tudo rapidamente e saí dali, estava um pouco perturbado. Empregos me perturbam desde os quinze anos de idade. Meus primeiros patrões eram dois playboys insuportáveis, me importunavam o dia inteiro com seus pedidos estúpidos e específicos, eu era um mero office-boy, supostamente deveria apenas pagar contas, fazer depósitos, postar algo no correio, algum documento, tarefas simples, entende? Contudo, eu também tinha de limpar os quadros usados nas reuniões, usando o mínimo de álcool possível para apagar a tinta e a cola que as fitas adesivas deixavam na superfície, precisava buscar almoço e, claro, eles comiam apenas nos restaurantes mais caros da cidade e seus pedidos eram cheios de requintes e especificações. Quando uma mísera coisinha vinha em desacordo com o pedido, jogavam tudo no lixo e me faziam buscar outro. Não davam a mínima para os moradores de rua, para a fome que assola o mundo, para os necessitados, afinal, eles tinham dinheiro, quem tem dinheiro é tudo, pode tudo, não precisa se importar, respeitar ou ajudar nada nem ninguém. Foi nessa fase da minha vida que percebi que nenhum trabalho era agradável, por mais simples que fosse. As pessoas não toleram pagar um salário para alguém a não ser que possam fazer daquele trabalho algo desagradável ao limite, enlouquecedor, burro.

Me peguei pensando no passado da humanidade, em quando éramos apenas caçadores, coletores e sobreviventes nas matas. O ser humano precisava ser bruto, precisava ser cruel e impiedoso com tudo ao seu redor para sobreviver, era isso ou morrer. Nossos acampamentos viraram cidades, nossas metrópoles lindas, e nossas selvas hoje são de pura pedra, mas apesar da sofisticação e do glamour, ainda é preciso ser bruto, cruel e vil para sobreviver entre os tantos competidores e empregos miseráveis.

Voltei para casa. Sentei na varanda e fiquei vendo o Sol cair por trás do morro, tomando chá gelado de limão com abacaxi e hortelã, uma mistura que inventei e gostava de beber nos dias quentes. Era sexta-feira. Quando entrei em casa, havia uma mensagem no celular:

"Vi? É o Dan. Domingo darei uma festa aqui em casa, toda galera vai colar. Se não tiver nada pra fazer, vem pra cá."

Eu não tinha nada pra fazer, de fato, mas não queria ir também. O nada me agradava, gostava da sensação de não ter compromissos e nada que precisasse de minha atenção. Era bom ficar apenas atoa. Agora eu tinha um emprego e eu não mais sentiria isso, não mais ficaria atoa. Empregos costumam ser motivo de alegria para as pessoas, para mim eles sempre significaram uma rotina chata em prol de uns poucos trocados. Sou a personificação do desânimo indo trabalhar. Sem ter tomado uma decisão sobre ir ou não a tal festa, deitei na sala e fiquei vendo filmes até adormecer, enquanto a gata passeava em minha barriga e miava pedindo uma coçadela ocasional na nuca.

*Parte 3*

Era manhã. Eu ainda precisava levar uma papelada lá em São Bernardo do Campo e não havia muito o que fazer a respeito. Coloquei uma roupa mais decente e menos confortável, amarrei os cadarços do sapato e para lá rumei. Por milagre divino o ônibus estava relativamente vazio, havia um assento livre, esperando apenas pelo meu rabo. Passei a viagem inteira olhando a paisagem, e acabei adormecendo, um sono tranquilo e repentino, muito prazeroso. Quase perdi o ponto onde precisava descer, mas acordei a tempo. Estava com sorte até aqui, e ter sorte na conurbação é atípico.

Entreguei a papelada, lá estava a mesma mulher simpática que nos deu as fichas de cadastro, fazendo seu trabalho com toda felicidade que se pode imaginar. Acho bonito, mas pessoas que trabalham felizes me assustam, sempre sinto que há algo terrivelmente errado com elas ou com suas vidas. Deixando isso de lado, já era quase hora do almoço e eu ainda tinha alguns trocados.

"Eu deveria me presentear. Agora tenho um emprego."

Foi o que pensei e assim fiz. Procurei um restaurante bom, cheio de opções e comidas diferentes, peguei uma quantidade boa de comida, arroz solto, feijão com caldo e bem temperado, dois filés de frango grelhados, purê de batata, batata frita, polenta frita, alface, um pedaço de cupim assado com molho madeira, tudo deliciosamente bom. Comi como um rei. Sentia-me bem e feliz quando me alimentava com fartura e sabor, apreciava cada pedaço, cada garfada. Tomei uma taça de vinho artesanal pra acompanhar.

Bem abastecido, decidi que seria melhor voltar de trem do que de ônibus, ainda que a estação de trem mais próxima ficasse a alguns quilômetros, estava me sentindo bem comigo mesmo e andar até lá não foi um problema, apesar do calor. Mais sorte: O trem também estava vazio e fez o percurso rapidamente.

Cheguei em casa no meio da tarde e ainda precisava decidir sobre a tal festa. Coloquei uma boa música para tocar no rádio e fiquei sentado na varanda com as cachorras, bebendo uma cerveja. Aparentemente, eu decidiria tudo de última hora, como sempre, simplesmente não sinto a necessidade de me preocupar. Fiquei curtindo um dos meus últimos momentos como vagabundo, uma curtição melancólica, uma sensação parecida em tudo com a que vem depois do orgasmo.

Anoiteceu, e com isso, jantei modestamente (macarrão instantâneo) acompanhado de chá gelado. Fiquei lendo declarações de Wilde, as cartas de Kafka e alguns poemas de Bukowski até o meio da madrugada, quando o sono venceu os três gênios.

Acordei ao meio-dia e bem, lá estava a festa, rolando solta. Fiz cera, enrolei bastante e decidi chegar no meio, quase no fim. Supostamente haveria um churrasco, porém, conhecendo bem o anfitrião e os convidados como conheço tenho certeza que quando chegar lá estarão todos no maior pileque, são genuínas esponjas. Calcei um bom sapato para encarar a chuva de domingo, roupas simples, blusa de lã e jeans. Preparado para o que der e vier. Quando cheguei no portão, já começaram as surpresas: Não escutei nenhum som! Vejam, essa é uma das galeras mais barulhentas que conheço, são vidrados em volume. Subi as escadas e o corredor da casa estava vazio, vi apenas uma sombra lá no fundo, no quintal, se movendo freneticamente.

Era Duda. Duda é um cara legal, cheio de graça. Ele sempre conta boas piadas e se expõe ao ridículo. É dado a fingir que aguenta beber e que sabe se controlar, mas sempre fica de fogo. Ele estava de calça preta e sem camisa, a camisa, de uma banda de metal qualquer, estava amassada em sua mão e Duda rodava-a para lá e para cá enquanto pulava e sacudia a cabeça debaixo da chuva fina e fria, sem deixar que uma única gota sequer da batida que segurava em sua outra mão caísse no chão (essa galera leva a sério o desperdício de birita). O notebook de Dan estava ligado na parte coberta do quintal em cima de uma monstruosa caixa de som, porém o volume estava baixo, e a música era um rock tranquilo, nada que vibrasse aquela empolgação. Duda me olhou nos olhos, deu risada, e continuou sua dança.

- Olá carinha, tá fazendo o que aí?

- Vinnie! Caralho! Achei que você... Nem vinha mais! Porra, vem cá!

Duda larga o copo no chão e me puxa para um abraço, do qual não evito. Gosto dele, dessa galera toda pra falar a verdade.

- Mano, bebe isso aqui... Tá bom, muito bom, BOM PRA CARALHO!

- Mas eu vou dirigir daqui a pouco Dudinha, se a polícia me pegar tô fodido.

- Eu também... Tô dirigindo! - Duda dá um gole em sua batida - Mas, tô pouco me fodendo pra polícia. Coxinhas de bosta. Fica bolado?

- Porra! E não? Não quero confusão.

- Tá certo - Duda dá mais um gole e faz uma pausa - Mas você deveria experimentar.

- Tá.

Dou um gole na batida e quase caio de costas. Pela descrição, Duda e os demais colocaram tudo que encontraram de alcoólico em uma jarra, jogaram açúcar e iogurte de morango (por insistência das moças e a contragosto) e misturaram. Não esperava menos, essa rapaziada me enche de orgulho.

Duda voltou para sua dança e eu entrei pela porta dos fundos, na cozinha. Havia muita lama no piso, estava escorregadio, muitas latas de cerveja vazias em cima da mesa junto a garrafas de cachaça, conhaque, catuaba e vodca pela metade. Vômito no banheiro de baixo, muito vômito. Na sala, Line, uma das garotas, irmã caçula de Jé, estava desmaiada no sofá, ferrada de sono e bebida. Se ela tem dezessete anos é muito. Renan, outro dos rapazes, está deitado (ou caído?) na escada, fumando um cigarro eletrônico. Renan e seu visual estiloso, jaqueta de couro, derrotado pelo copo.

- Viiiiinniiiiieeeee!!!

Renan se levanta e caí logo em seguida, sem que eu pudesse fazer qualquer outra coisa se não assistir seu corpo ir pro chão como um lutador nocauteado no ringue. Se ficou em pé por dois segundos foi muito. POW! Aquele baque seco no chão. Do jeito que caiu, ficou, dormiu. Line acorda e me ajuda a movê-lo para o sofá, mas ela também não está com muito equilíbrio. De repente, Jé desce as escadas. Jé é namorada de um dos rapazes, Tulli. Jé é morena, alta, tem belas formas, mas é imprevisível. Usa uma blusinha de oncinha e calça jeans. Sua irmã, Line, logo que percebe sua chegada sai da sala e vai para o quintal. Família.

- E aí Jé? Cadê o Tulli? - pergunto.

- Vinnie!!! Que saudade! Eles foram comprar cigarros.

- Eles?

- O Tulli e o Sam.

- Ah!

Jé me abraça, trocamos beijos na bochecha.

- Quanto tempo! - diz ela.

- É verdade.

- Me lembro de ficar papeando contigo sobre a vida e todo o resto.

- Sim.

- Saudade desses tempos.

- Pode crer Jé! Como você tá?

- Tô bem! Tô loucona quer ver? Vem! Vamos lá dançar com o Duda!

- Cadê o Dan?

- Tá dormindo lá em cima, com a namorada. Vem! Vamos dançar!

Jé me arrasta para onde Duda continua com sua dança. Fico pensando em como venho parar nessas situações. Sou péssimo dançarino, mas esse pessoal me acerta em cheio onde sou fraco.

No meio daquela dança toda, chegam Tulli (branco, loiro, magro, é de uma aparência quase alemã, se não fosse pelo constante sorrisinho de canto de boca) e Sam. Sam é um cara estranho e muito divertido, em especial quando fica de pileque. Às vezes ele pensa que pode voar, que é algum herói japonês ou de alguma história em quadrinhos. Sam namora uma linda garota, Milla, uma comuna bem abastada que sempre fica mais sóbria que a maioria de nós no fim das festas. Ela é morena no cabelo e na pele, tem olhos redondos e todo um perfil delicado e meigo. O corpo é vulcânico, perfeito.

Ficamos todos, eu, Duda, Tulli, Jé e Sam, dançando. Milla preferiu ficar dentro da casa tomando refrigerante. Como toda dança uma hora acaba, decido me recolher e sair do meio. Duda me acompanha e dividimos uma cerveja enquanto conversamos sobre qualquer coisa. As garotas vão se achegando, Jé, depois Milla e por fim, Line. Sam e Tulli estão tentando fazer uma fogueira e Renan dorme como um anjo. Tudo indo bem. Me engajo numa discussão interessante sobre política, direita e esquerda, minorias e todo o resto, com Milla. Duda e Line sobem as escadas e vão para algum dos quartos.

Sam logo chama seu anjo moreno e ela se vai. Sozinho de novo. Festas e suas complicadas hierarquias e situações e eu, eu sozinho de novo. Jé, começa então a chamar seu namorado, mas ele está entretido com o fogo. Sem sucesso, ela volta emburrada pra dentro.

- Vininho, vem com a Jé, vamos bagunçar a casa! Vamos acordar todo mundo.

- Certo.

Falamos de bandas de rock, de estilos e vertentes, virtuosos e valentes e influentes ícones. Coisa atoa. Subimos as escadas e entramos no quarto de Dan. Ele e Pati dormem profundamente, não nos notam, sentamos na cama e bebemos o conhaque que Dan largou ali sabe-se lá porquê. Jé me arrasta pro outro quarto. Eis o susto, Line e Duda estão mandando ver, meio em pé e meio na pequena cama de solteiro. Infincadas curtas e silenciosas, estocadas delicadas, com força contida, respirações ofegantes, gemidos contidos. Tanto eu quanto Jé ficamos ali sem expressão, sem saber o que fazer ou o que dizer e eles seguem, em brasa, sem notar, ou talvez, sem se importar. Eu me sento na outra cama e Jé faz o mesmo. Ficamos lado a lado, como dois amigos que contemplam a aurora depois de uma longa noite. Busco umas cervejas. O espetáculo segue.

Jé está absorta e distraída ao mesmo tempo, pode ser apenas sua cara de bêbada ou quem sabe ela realmente não atingiu níveis transcendentais de consciência ou pensamento apenas observando aqueles dois (sendo um deles, sua irmã) se acabarem um com o outro? Eis que escorrega a mão para dentro das calças, se deita e começa a tocar uma, bem na minha frente! Finalmente um pouco de sorte. Leva a outra mão ao seio e fica apertando os próprios seios, primeiro o esquerdo, depois o direito. Um deles escapa e fica amostra, é lindo. Ele tem o tamanho exato e preenche todo o busto, mamilos de cor suave e delicados, no tamanho certo. Fico duro e aceso, meu pau lateja de tanto tesão, sou capaz de estourar as cuecas. Ela abre os olhos e me fita, com cara de safada, começo a me tocar por cima da roupa e fazer minhas próprias caretas. Ela geme baixinho e começo a ofegar, me deito, coloco ele para fora e esgano sem misericórdia, pra cima e pra baixo. FLOP, FLOP, FLOP! Ali, naquela frenética masturbação, com requintes de exibicionismo, trocando olhares com uma louca, muito bêbada e que está quase gozando. Os gemidos ficam mais altos, não aguento, viro pro lado e voa porra pra tudo que é lado. Um rio. Jé goza quase que no mesmo instante. Nós dois nos olhamos por algum tempo, não mais que segundos, mas eles parecem uma eternidade. É estranho (claro que é), tanto eu quanto ela não estávamos preparados para lidar com aquela situação.

Por fim, limpo as mãos no colchão, ajeito a camisa e me sento de novo. Observo mais um pouco o outro casal. Jé faz o mesmo. Eles perderam um pouco da empolgação e ânimo inicial. É como transar com uma colega de trabalho que você mal conhece e depois ficar esperando uma bomba atômica acabar com o silêncio e o mistério que sucedem o orgasmo. Jé se levanta e sai, e eu não exito em fazer o mesmo. Já não há nada que possamos dizer ou fazer a respeito. Ambos vamos até a cozinha e abrimos mais umas cervejas. Os meninos conseguiram fazer fogo e estão comemorando, preparando bifes para assar. Milla, de aspecto entediado, tenta convencê-los a parar e deixar de lado os bifes e o fogo, ir para dentro. Eu sinto toda uma empatia por Milla, e percebo que se visse Milla se masturbar, não sei o que faria, mas certamente não só imitaria.

Ficamos todos, os cinco, em volta do fogo falando besteira. Assim como o sexo, a vida e a morte, o espetáculo segue. Um pouco mais estranho para mim (e talvez para Jé também), mas segue, sempre segue, de alguma forma bizarra. Entro em uma meditação vazia olhando para o fogo e os bifes. Os dias tem sido agitados, góticos, sem explicação, ruins e bons. Foram três entrevistas, uma contratação, um emprego péssimo, uma festa sem alegria e cheia de surpresas, e no fim, o saldo é assistir uma trepada enquanto bato uma ao lado de uma amiga. Não tenho mais alma. Deveria ter agarrado Jé e descoberto o sentido da vida ali mesmo, com a boca naquele seio e os dedos naquela porta do céu. Mas foi melhor assim, não perdi nem o amigo nem o gozo. Não tenho mais alma, mas ainda tenho o fogo, ainda tenho a cerveja, ainda tenho como encarar os dias, este, o próximo e os seguintes. Tenho Deus num bolso e o diabo noutro. Você vê? Tenho pouco e tudo ao mesmo tempo!