A AGENTE CULTURAL

Leio um texto do Millôr sobre os palavrões na língua portuguesa, ela seca o cabelo com a sua toalha amarela. Pergunta sobre o museu, digo que só vai abrir novamente na segunda quinzena de junho. Pergunto sobre o nosso cinema na sexta, na sexta não dá, responde com o seu ar explicativo.

Sempre me esqueço de sexta a noite, ela trabalha no Sesc local, agente cultural ou algo do tipo. Toda a sexta-feira depois das 21 horas rola um showzinho cretino de música ou de dança. Se dois valeram a pena já seria muito, e todas as sextas vocês me encontrarão na terceira fileira, no último assento escorado na parede. Uma sexta sim e a outra também eu durmo.

Tudo quanto é tipo de gente se apresenta lá, desde cantores velhacos da modesta história musical desta cidade, até jovens de classe média alta que seus pais pensam que serão grandes talentos. As bandas POP são engraçadas, o ego dos cantores quase não cabe dentro do teatro, ego esse inflado pelos gritos entéricos de adolescentes acéfalas e de mulheres com 20 e tantos anos, mas, com mentalidade de pré-adolescentes.

Porém as bandas “cult” são as que me fazem me divertir mais. Fico pasmo de ver como a pequena massa que tem mais acesso a informação, deixa-se influenciar com tanta facilidade pelo produto cultural tachado como alternativo. Contei 8 bandas com baixo e bateria, e 10 com guitarra e bateria; isso é claro sem contar os figurinos dos anos 80. “Isso tudo só pra dizer que eu conheço muita gente que incorpora esse papel, seja por status, ou pra se sentir por cima, e que acaba perdendo a essência, se é que tinha alguma. Não sabe mais qual é o seu verdadeiro eu, já que vendem até a alma pra estarem no lugar certo, com as pessoas que julgam certas ao seu interesse.” Como diria a colunista de moda Fabí Navarro.

Digo que vou ao mercado comprar “Doritos”, ela pede para não esquecer da ração do cachorro, resmungo que nunca quis um pastor alemão e que se não fosse por isso o meu gato ainda estaria vivo. Coloco o casaco belga que ganhei de uma amiga, térmico segundo ela, antes de ir ainda pego uma xícara de café e as luvas vermelhas dela.

Como sempre as ruas do centro da cidade estão vazias, ela escolheu o apartamento, um prédio antigo sem área de lazer e com elevador pré-histórico que sempre quebra. Disse que morar no centro facilita as coisas, adorei, odeio contato com as pessoas. Sou um típico anti-social moderno, que ao invés de visitar os poucos amigos que têm, prefere se comunicar com eles através da internet, que prefere as escadas ao elevador lotado.

O mercadinho está vazio, seu Paulo, um japonês gente boa, assiste a um programa de calouros na sua TV 14 polegadas. Adoro esse cantor, exclama com toda a sua típica alegria, eu finjo que não escutei nada e sigo na minha para não causar discórdia. Sempre achei um saco esse tipo de cantor, parece que tão apertando o saco dele, "Nem fodendo" assisto a um treco desses, deve ser trauma da época que morava com a minha mãe. E assim vou fazer as minhas pequenas compras, porque Millôr diz “Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.

Uns três pacotes de “Doritos” embalagem econômica, seis vodcas de garrafinha; com isso já garanto a minha felicidade num dia de domingo. É preciso estar preparado para esse dia, é sempre no domingo que ela vem com o mesmo papo de discutir a relação, ou pior, a mãe dela aparece logo após o almoço para uma visita rápida e fica até depois das dez. Nesses dias é preciso comprar o dobro de vodca além de descer até a praça para jogar dama com os aposentados. Sempre perco. Sempre mesmo.

A mãe dela adora as minhas piadas, eu adoro a mãe dela; bem longe de mim.

Continua...