LOVELY RITA

A realidade estava posta. Nada, nem ninguém ia poder modificá-la.

Era mera questão de aceitação. Rita havia pensado em se casar, ter filhos, constituir família. Apesar de não saber bem do que se tratava, idealizava seu futuro nesses termos. Achava que se este pacote desse certo, tudo o mais se encaixaria.

Estava já com seus vinte e sete anos e pensava-se no limiar da coisa. Ou vai ou racha. Não podia passar disso. Ocorre que seu noivo não era lá essas coisas. Não era de entusiasmar. Ninguém lhe explicara que a vida não era por aí.

Mesmo assim Rita casou. Foi uma grande festa e a Lua de Mel aconteceu dentro dos seus limites. Tudo nos conformes. Logo, engravidou, não uma mas três vezes seguidas. Sua vida resumiu-se a cuidar dos filhos, criá-los para o mundo. Perdeu o foco e esqueceu-se de viver. Passou a viver a vida dos outros, seus filhos, seu marido e os parentes. Preocupava-se com o que os outros queriam comer, os outros queriam ver ou precisavam fazer. Só cuidava de si nas terças-feiras, quando se permitia uma hora de salão. Pouca coisa para quem teve tantos sonhos na adolescência. Terminara a faculdade, fizera pós, mas não exercia.

Passaram-se dez anos e rita tinha aquele bando de crianças em casa. Sua cunhada, que jamais abdicara da profissão, amontoava seus dois com os três da Rita e a casa virou creche. Rita já não ia mais ao salão com tanta frequência e parecia ter muito mais idade do que realmente tinha.

Um dia todos foram à praia. Férias de janeiro e as crianças aproveitaram a estada de um primo mais velho para ter uma folga da mãe. Rita, meio perdida, fazia passeios pela orla. Seu marido, sempre ausente, lhe dava pouca opção. A grana era curta, mas passear na praia não custava nada. Seu corpo não era de se jogar fora e bronzeado mostrava-se reluzente. Na praia não tem cabelo bom, não tem maquiagem e é o espaço mais democrático do planeta. Aos trinta e sete anos chamava atenção, apesar de não saber. Numa dessas idas e vindas Rita foi abordada por Fernando. De início, aquela conversa mole de sempre, mas como ela era carente, logo aceitou tomar uma cerveja. Tinha desculpa de sobra: estava calor, já tinha almoçado, o marido estava em São Paulo mesmo, as crianças tinham ido para outra praia e só voltariam tarde. Rita foi ficando e quando convidada para jantar não recusou, mesmo sabendo-se sobremesa.

Nestes dias de solidão forçada, Rita parou para pensar e suas conclusões não lhe agradaram de modo algum. Tinha dó dos filhos e estava casada por conta disso. Já não se sentia casada, apenas estava. Sua estrutura lhe era confortável e ela se acomodara naquela vida que levava, mas trepar por prazer, e não por dever de ofício, parecia-lhe bastante agradável. Rita passou a ter seus amantes, se cuidava mais e procurava relacionamentos superficiais que lhe preenchessem lacunas.

Passados mais alguns anos e ela vendo os filhos à porta da faculdade pensou ser sua última oportunidade para ser feliz. Fez as malas.

Seu marido chegou em casa e nada entendeu. Por semanas a família tentou de tudo, anuncios, delegacia, amigos, internet e hospitais. Nada. Rita sumira do mapa. Mas, alguns meses depois, quando todos já se achavam quase conformados, receberam um cartão postal de Montevideo. Rita explicava, com apenas oito palavras, que estava morando lá, trabalhando e amando. Ela cuidava dos parquímetros. Nada mais.

inspirada na canção homônima dos Beatles