A última gota d'água

Era uma família de tradição. Habituados a recontar causos vivenciados por seus ante- queridos, traziam assim à tona estórias tão atrativas como as de Voltaire.

Cada época vivenciada, à cada nova geração, aparecia algo novo ou nova forma de recontar de maneira que, aquilo que fora contada à século, parecesse tão novo como pele de bebê!

Assim caminhavam todos, rumo à um mundo surreal onde realidade e fantasias se mesclavam.

As crianças não deixavam a essência, os jovens nutriam- se de infantilidade e os anciões rejuvenesciam na fonte biblicamente conhecida como Beneplácido, ou seja, fonte de gozo e prazer!

Era comum em suas falas, monólogos e diálogos, ouvir causos sobre Pixinguinha, Adoniram Barbosa, Noel Rosa, Gonzaguinha entre outros.

As histórias confundiam- se com estórias, as mentes confusas entre o saber e loucura perdiam- se em devaneio.

Assim caminha a vida como Adão e Eva num paraíso onde tudo encontra, nada se perde, porém nunca se nota!

Não havia o "EU", mas o nós. As melodias ficavam por conta dos pássaros, dos sapos, das cachoeiras e, enfim, era uma sinfonia tão natural que a felicidade não se notava. Tamanha era a essência que nada sobrava ao acaso!

Mas as palavras se construíam e em histórias e estórias fundiam como toda nova invenção!

Era um tempo que a palavra valia contrato, que os ditados tinham peso, que a palavra "Mãe" era endeusada, que os filhos e os mais novos respeitavam os mais velhos, que os professores tinham, também, sua devida importância. Era uma família que existia dentro de todas as famílias, mas que, à partir dos anos 90, se perdeu!

Eis aí a última gota d'água!