Dilemas nossos de cada dia

Caminhando devagar, lado a lado, no mesmo ritmo, mimeticamente no mesmo passo e conversando:

-Acho que precisa ser menos machista.

Ele se assustou pois falava sobre as mulheres não saberem valorizar homens carinhosos.

-Sua expectativa de reconhecimento é completa com algum discurso sobre as mulheres são todas vadias, que querem só sexo –dei uma risada gostosa- como se fosse o oposto do afetivo o erótico.

-Acho que as mulheres administram mal a liberdade sexual, esfriam, sei lá..

-Nos tornamos mais parecidas com vocês e isso incomoda, esperam que sejamos emocionais, e nos apaixonemos, mas quando deixamos a ilusão Disney ir embora nos tornamos protagonistas e deixamos de precisar do “amor pra vida inteira”, que só nós aceitamos, pois todo homem tem o “a mais gostosa que eu puder ter” como lema.

Pensativo me olhou espantado, sim sou uma mulher objetiva e fria, trato o mundo real com sua dureza característica, principalmente após uma série de choques de realidade.

-Amor, carinho e cumplicidade não podem ser uma prerrogativa feminina, todos os casamentos que conheço são de mulheres cedendo sempre e homens pouco dispostos, tudo em nome de um status, uma falsa imagem de família... Acho que filhos que assistem este teatro acabam percebendo como relacionar não é tão benéfico, e os pais, muitas vezes incutem nos filhos (homens) que tem que aproveitar a vida antes de casar, pois isso é a morte.

-Você é rancorosa, só digo isso.

-Sou mulher, já fui enganada e iludida por homens que só queriam sexo e mentiam em nome disso, agora prefiro sinceridade, se quer só sexo, então me satisfaça por que não tenho afeto para dar desconto se seu discurso de fodedor não condiz com sua performance medíocre. E sim, é com nosso afeto compreensivo que muitos contam para aceitar sexo mais ou menos, quando traem querem impressionar, daí um esforço a mais, é uma piada cretina. Melhor ser a amante que a oficial?

-As vezes os homens tem medo de se envolver e ficarem vulneráveis, entregar demais, sentir demais e acabarem ficando sozinhos com suas lágrimas, esperam para mulher estar muito afim, para avaliar se vale mesmo se envolver e ainda existem homens que nunca tiveram afeto familiar, então não sabem amar...

-“Saber amar, saber deixar alguém te amar.”

-Gosto dessa musica moça... –sorriu.

-Queria ser mais romântica como a musica de Vander Lee... “Amar sem medo de outra desilusão..”

-Quanto mais vivemos moça, parece que o destino nos diz que os filmes e as canções mentiam...

-Talvez, caro, tenhamos sido levados por um discurso manipulado, que visa ter mais pessoas solteiras por gerar mais lucro ao mercado, fomos iludidos com amores irreais, assim desacreditamos e ficamos na eterna busca, sempre pela noite e entretenimento (que são formatados de modo que sempre gastemos muito) e nunca encontremos um pé quente para o inverno, imperfeito como nós mas que possamos tirar nossas máscaras e viver um amor imperfeito mas real, com felicidades e dificuldades mas real, de carne, osso e alma.

-O mundo se perdeu em telas coloridas, imagens trabalhadas, os casais das fotos são modelos, as paisagens irreais, e as estórias irreais. No facebook todo mundo é feliz, no tinder todos são lindos e bem resolvidos, insta momentos incríveis sempre, mas na realidade captamos na câmera o melhor ângulo de nossas ilusões.

-Tamo deprê hoje?

-Ah moça deve ser esse céu nublado, dezembro, balanço do ano,da vida, algo assim..

-Vontade de tomar caldo...

-Sua cabeça de gorda me assusta, acho que você tem lombrigas, sério...

-Devo ter, mas é que falou do clima, deu vontade, imagina uma vista bem europeia com montanhas e um caldo gostoso huuummm!

-Fica ouvindo essas musicas celtas e afins, entra nessa de devaneios, já estou me acostumando..

-Sei que você gosta dessas minhas loucuras.

Fitou meu rosto, sorriu.

-Você é minha psicóloga preferida, questionar sua normalidade seria ironia, como sempre diz, espera-se que um ser normal, mediano consiga compreender a profundidade do abismo da alma das pessoas?

Abismo da alma das pessoas....

Caminhamos um pouco mais, talvez tentando chegar em um abismo em que pudéssemos cair juntos e calar as angustias daquele dia nublado.