O SALGUEIRO-CHORÃO

Sentou-se, lentamente, espalmando as mãos sobre a madeira do banco da praça. Engraçado como o sol brilhava de maneira tão gentil e agradável, de modo que a moça quase não podia senti-lo sobre sua pele. Recostou-se e suspirou de maneira profunda, fechando os olhos e abrindo um sutil e sincero sorriso – daqueles que abrimos de canto de boca, quase sem perceber. Pensou que, sem dúvida alguma, aquela era a tarde mais bonita do ano. Ah, e como era! Os pássaros pareciam cantar mais afinados que quaisquer outros dos quatro cantos da Terra, enquanto um vento corria macio por entre os arbustos do parque e ouriçava as borboletas a fim de que bailassem com sincronia invejável pelas alturas. Até mesmo o banco em que sentava parecia ter sido estrategicamente posicionado na paisagem, de forma que tivesse aquela visão privilegiada do salgueiro-chorão a sua frente. O estonteante salgueiro-chorão. Que lindo era ver seus enormes galhos a se espalharem pelo chão, enquanto tremulavam com a brisa e soltavam certo perfume – que talvez só existisse na imaginação da moça – pelo ar. Suas folhas pareciam brilhar e até mesmo tecer certa música com seu farfalhar incessante.

Ela se sentia contemplada. Tudo parecia tornar aqueles instantes inacreditavelmente perfeitos e lentos, fazendo com que toda aquela paixão, aquela felicidade feroz e desmedida que lhe brotava do peito parecesse infinita. “Céus, será que posso me demorar mais um pouco? Posso estender esta delícia que sinto nas entranhas por mais algum tempo?”. Que doce era poder desfrutar de tal estado de espírito por dentro e por fora. Quer dizer, aquele parque inteiro parecia ser o espelho de sua realidade emocional. Impressionante como eram compatíveis o amor e a imagem de um salgueiro-chorão no vento. Nunca notara! “Isso não tem de acabar, tem?”. E respirou profundamente outra vez, na tentativa de levar para dentro dos pulmões um pouco da cor das flores de uma laranjeira, a qual se encontrava a alguns passos do banco em que sentava. A moça se afogava dentre os próprios sorrisos, mordiscando os lábios de satisfação e entrelaçando os dedos no ar.

Enquanto regozijava-se na plenitude de seu encantamento diante da própria felicidade, quase que num mundo à parte, avistou, de relance, uma senhora que se aproximava ao longe. Esta vinha tristonha, com os olhos baixos, andando com evidente dificuldade sobre sua bengalinha azul e exibindo um semblante notavelmente abatido. Algumas lágrimas escorriam e viajavam entre suas inumeráveis rugas, enquanto a senhora, em vão, tentava secá-las com um lencinho desbotado – parecia ter sido amarelo algum dia. Escorando-se no ombro da moça, sentou-se vagarosamente, soltando alguns baixinhos gemidos de dor.

“Dia lindo, não?” – disse a moça, numa tentativa de arrancar algum pequeno sorriso da senhora.

“Lindo? Oh... Pois esta tarde está tão incrivelmente feia. Não notou?”

“Feia? Pois eu não notei...”

“Este sol está me queimando a pele em demasia. O ar está terrivelmente pesado. Os pássaros parecem cantar de maneira muito triste...”

A senhora fez uma pequena pausa, apertou os olhos e uma gota pesada lhe saiu do olho esquerdo. Limpou-a com certa pressa. Tomou fôlego e prosseguiu em seu praguejar:

“E este salgueiro-chorão... Ora, que folhas são estas! Amareladas, evidentemente velhas. Seus galhos, não sei se notaste, estão caídos com certo exagero... Por certo que as raízes já devem estar ligeiramente podres.”

A moça estarreceu-se com tamanho derrotismo. Olhou novamente a sua volta e, com certa surpresa, viu que não podia – felizmente – enxergar nada do que a senhora havia narrado em sua trágica descrição do parque. Pareciam estar em lugares completamente diferentes, pensou. Não podia, de forma alguma, compreende-la.

“Oh, senhora... Eu não vejo nada do que acaba de dizer. Olhe melhor o parque e verá que está uma linda tarde.”

“Nunca será possível enxergar uma linda tarde quando se acaba de perder o marido, minha jovem. Nunca. Para mim, esse salgueiro-chorão jamais esteve tão amarelado.”

Naquele momento, a moça percebeu que podem existir duas árvores diferentes num mesmo salgueiro, a depender do que se sente por trás dos olhos que o veem.

Dona Iaiá
Enviado por Dona Iaiá em 23/12/2014
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