Tempo

Tempo

Já fazia bastante tempo. Tempo. Tempo é algo tão volátil nas nossas vidas que ele simplesmente passa, escorre pelos nossos dedos como areia fina, aquela da praia que por tantas vezes admiramos e tentamos dominar em nossas mãos quando brincamos ao largo do oceano. Para muitos o tempo passa, suavemente. Para tantos, cíclico e por vezes devastador. Nem todos os momentos desse tempo, precisamente o tempo de algo muito importante, são tão calmos ou ainda “tsumânicos”. Era notável que a sucessão de variação de humor trouxesse um valor estimável as próprias comparações entre ela e sua existência. Havia sido um daqueles anos insuportáveis com tempo tão desastroso quanto enfadonho. Ao menos o ar morno da tarde lhe trazia lembranças amenas acariciadas por um ou dois suspiros. Sentia-se tão cansada daquele longo tempo de espera em superar sua perda. A jardineira cheia de brincos-de-princesa a lembravam que a primavera rondava por ali, bem pertinho. Era seu tempo de flor. O Sol tranquilo descia vertiginosamente em direção ao horizonte prenunciando a noite que em seu tempo não tardaria a chegar. Teria muito pouco tempo para se colocar em ritmo e sair na hora marcada. Sua vida se parecia com uma imensa caverna aberta onde as dolinas traziam luz e cor a sua vida exausta. Não desejava fazer nada que exigisse muito de sua paciência e inteligência, preferia ficar ali a mercê de seu próprio espaço e tempo. Desejava há tempos que nada mais a incomodasse tanto quanto o Sol de verão que lhe queimava a fronte marcada por gotículas solicitas de suor a refrescar lhe o rosto já queimado. Mas ainda era um prenunciado da primavera. O verão tardaria, e muito a chegar e parecia que pelas previsões, tão quente ou mais que a mesma estação gêmea passada. Lembrou-se da água morna que caia forte pelo chuveiro de latão antigo. A água carrearia com certeza, um pouco de ferrugem e lasquinhas em sua torrente, ela banharia feliz na água amarelada e ficaria satisfeita em poder mais uma vez secar-se ao Sol. “Corre menina!” parecia lucidamente ouvir sua mãe a chamá-la já impaciente: “o Sol não tarda de ir embora e você ainda não recolheu a roupa!”. “Preguiçosa” ela mesma completaria o pensamento alto de sua mãe. Quanta saudade! Que dor nefasta e que maldade rôta a tiraram do aconchego morno do colo e cuidados de sua mãe... Uma lágrima quase vazia a fizeram retornar a seu tempo quase ilúcido, trazendo-a quase tão perto daquele tempo que seu coração frio e solitário aqueceu-se. Já era hora então, de deixar a cortina do tempo cobrir novamente seus olhos e voltar a madorna de sua cama revestida de cetim, almofadas e saudades.

Para mim. Que morro de saudades do tempo em que eu era apenas eu.

Malibe, 24 de dez 2014.