TOALHA DE PLÁSTICO

A chuva torrencial, acompanhada dos ventos que investiam contra a veneziana, eram um convite para ficar imóvel debaixo das cobertas, ignorando a necessidade de levantar para mais um dia de trabalho.

Ainda é cedo - o alarme programado no celular não foi acionado. Mas em corajosamente, decidiu enfrentar aquela sensação confortável de preguiça e encarar com coragem o cotidiano... até perceber que não havia energia.

Durante a ducha, o celular desperta... precisava lavar o cabelo, mas a água fria era um convite escancarado para ignorar a necessidade... o som do alarme é abafado pelo do trovão, que assusta.

A claridade matinal permite transitar pelo apartamento... mas a escuridão do quarto impossibilita a achar as peças de roupa que queria usar... parece que a chuva está mais forte. Sem energia, nada de café... muito menos o pão com queijo. O iogurte natural e a pera acabam sendo o desjejum.

Hora de sair, e de repente, vem a lembrança que o elevador não funciona: doze andares. O exercício involuntário fez com que lembrasse da promoção da academia ao lado do escritório - talvez fosse saudável ao menos deixar de ser sedentário.

O trânsito que normalmente flui naturalmente, desta vez está sendo substituído pela correnteza da enxurrada. No rádio, notícias informam que alguns bairros foram severamente atingidos e, com isso, lembro de meus pais. Tento ligar mas como de praxe, o celular deles não atende, assim como o telefone fixo - maldita escolha de comprar um telefone sem fio para eles.

Mudo meu trajeto, ligo no escritório falando que vou atrasar... até que me deparo com a imagem de árvores e galhos caídos nas proximidades... a chuva não é mais forte, mas as muitas pessoas estão fora de suas casas.

Chego na frente da casa dos meus pais, e aparentemente não tem nada de anormal: os portões ainda estavam trancados, e por isso buzino, esperando que meu pai abra qualquer um deles... fico aliviado ver aquele homem vestindo o mesmo pijama que usava há vinte anos atrás, com um guarda-chuva antigo, abrir o portão da garagem para eu colocar o carro dentro.

Não era comum a visita durante a semana, especialmente tão cedo... ao entrar, após pedir a benção ao meu pai, senti o cheiro do café feito no coador... minha mãe veio ao meu encontro, me deu um beijo e perguntou por que estava ali.

Eu queria estar bravo pelo fato de nenhum dos dois atenderem ao celular, mas perceber que eles estavam bem fez com que ao invés de adotar a postura de filho protetor, encarnasse a do filho moleque... sentei com meus pais, tomei o café, comi o pão caseiro com manteiga... foi uma volta ao passado.

Antes de aposentar, meu pai raramente tinha tempo para tomar o café conosco... e depois que ele parou de trabalhar, foi a minha vez de não ter mais tempo.

Ajudei a minha mãe tirar a mesa, passei um pano úmido naquela toalha de plástico antiga, me despedi dos meus pais, prometendo que voltaria no final de semana com meu filho, para comemorar o aniversário do meu irmão mais novo.

Indo para o trabalho, refiz mentalmente o caminho que durante vários anos foi minha rotina... o tempo passou, a chuva parou. Mas alguns sentimentos impedem que deixamos para trás aquilo que é realmente importante. Espero que tenha energia no prédio do escritório, pois senão serão mais vinte andares de escadaria.

SEBASTIÃO SEIJI
Enviado por SEBASTIÃO SEIJI em 30/12/2014
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