Paris ou Amsterdam

Quando recebeu o convite para um café com Renato, Lúcia sentiu-se

terrivelmente inquieta durante a tarde toda. Os papéis, requerimentos,

notas, tudo o que fazia dela uma profissional respeitada e bem

sucedida, ficaram em um segundo e cruel plano. Já havia uma angústia

dura e precedente em sua vida, independentemente do que pudesse

ocorrer.

Renato a arrebatara e, naquele envolvimento, tomara milhares de decisões

que julgaria em outros tempos totalmente inconseqüentes, na verdade as

classificaria como absolutamente irresponsáveis quase torturantes

consigo prórpia.No entanto, havia aquela tensão permanente da mulher

responsável e da quase adolescente fora de época.

As horas correram e ficava a pensar se era isso mesmo que queria ou

exatamente o contrário. De que adiantava pensar isso agora? Já estava

dentro do caro, dirigindo até o café para a dita "happy hour" que nos

seu caso poderia ser "hora da dúvida", "hora do desejo", "hora do

tesão" o quer que fosse ou tudo junto.

Pela única vez naquela noite desejava que ele tivesse falhado, tivesse

dado "um bolo" para que ela sentisse um pouco de raiva dele. Que

nada! Ele estava sentado esperando, vestindo uma blusa de gola alta,

um blazer azul, tudo impecável e cheirando a perfume amadeirado,

aquele que, segundo sua memória olfativa apurada, usara na primeira

vez que se viram , que marcava todos os papéis que ele enviava á ela

pelo correio ou entregues na portaria do prédio onde morava e até

mesmo em seu escritório.

Novamente a adolescente fora de época a invadia despudoradamente.

Beijou Renato na boca, abraçou-o fortemente, roçou seus lábios no

pescoço e teve tudo retribuído de igual maneira.

- Vai querer um "cappucino"?

- Sim, com chantilly.

Logo que a atendente se afastou, Lúcia perguntou sobre o porquê do

convite tão pouco usual já que tinham inclusive rotina para se

encontrarem: além dos finais de semana pares, 3 dias durante a semana

onde almoçavam , jantavam, iam ao cinema ou ao teatro, tudo isso

quando ela não viajava, rotina tão comum em seu trabalho.

- Eu tenho um convite para fazer! - disse Renato.

- Convite?

- Sim. Quero que abandone tudo por algum tempo e venha comigo.

Abandonar tudo? Que conversa era aquela? como poderia ele exigir tal

coisa de sopetão, no auge de sua inconseqüência. Aliás, se alguém era

iconseqüente ali era ele e não ela, portanto chegou a rir da proposta.

- Por quanto tempo? - perguntou no exato momento que a atendente

entregava os "cappucinos".

- Por um mês! Durante suas férias. Paris ou Amsterdam, você escolhe.

O silêncio dominou o ambiente. Sempre é assim: quando a angústia

acontece, a dúvida da resposta, sucede-se um silêncio material, como

tenazes que apertaram a garganta de Lúcia e fizeram em um gesto de

certo "desafogo", pegar a colerinha e acrescentar chantilly à sua

bebida.

Ele ficava ali, observando com aqueles olhos de rapina. Não procurou

justificar nada, aliás, o que iria contra sua natureza.

Na cabeça de Lúcia instalara-se um grande confusão, dúvidas atrozes

sobre o que fazer. Nunca estivera tão envolvida apesar de que sempre

considerou tudo um flerte inconseqüente. Trocaram carícias mas nada

que tenha sido íntimo, se assim poderia-se chamar, ou melhor, se ela

mesma vencesse seu pudor, diria que não havia nada explicitamente

sexual.

Em "flashs", pensava no seu passaporte espanhol que jazia perdido no

fundo da gaveta e nele um carimbo da "Republique Française" já

estampado. Voltaria a Paris? Como assim? Quem disse que ela iria? Não

seria Renato, ao menos dessa forma tão direta quem decidiria o que ela

deveria fazer ou não.

Pasmada intemrrompeu a verdadeira voragem de sentimentos

contraditórios que apontava para coisas que julgava irrelevantes,

sentiu um estremecimento no corpo, uma vontadae absoluta de enlaçar

seu amante e dizer sim, várias vezes, dizer que tudo deveria ser agora

e pronto, dane-se o resto.Um sorriso maroto brotou-lhe do rosto, um

sorriso quase sórdido, sacana e mal-intencionado.

Santo "cappucino" que destroçava a sensação de dúvida mal disfarçada.

Renato estava fumando (o único péssimo ato dele além de seduzí-la) e

ela que detestava biscoitinhos de nata estava mastigando aquelas

coisas que consideravas "insosas" sempre presentes no pires do café.

- Você me dá um minuto, Renato?

- Claro! - disse, levantando-e e afastando a cadeira dele.

Por um minuto ela ficou com raiva de Renato. Gostaria que ele não

fosse o "gentleman" que era, não fosse tão sedutor e não a fascinasse

tanto.

- Estúpido! - pronunciou com raiva, ao entrar no "toillete". Na

verdade, queria falar outra coisa, uma expressão de baixo calão a qual

não se permitia.

Olhou-se no espelho, passou a mão gentilmente em seu rosto e sentiu a

pele acetinada mesmo com o transcorrer dos anos. Visualizou em sua

mente seus seios e perguntou se Renato gostaria deles. Sentiu um

terror disfarçado que ele jamais a vira nua, odiava sua

idade,detestava não ter se entregue às lentes de uma cãmera digital e

dito "taí, essa sou eu, aceite ou me rejeite mas diga agora e pode

dizer com sinceridade". Suspirou enraivecida com esses pensamentos.

- Quer saber? - disse para si mesma - Esse potrinho sem vergonha vai

ver o que é bom para a sua ousadia! Não se pode seduzir alguém

impunemente. Quem ele pensa que é?

Quem ela pensava ser? Renunciara a tantas coisas na vida em troca de

uma "carreira" que hoje animada como uma adolescente, começava a

arrepender-se do que fizera.Ah, não ! Não isso! Reconhecia o erro mas

não se arrependeria, já que arrepender-se era para escravos do

passado.

Já havia tomado a decisão. Abriu a bolsa, retirou o batom e sentiu-se

extremamente feliz com os pensamentos e pretensões que tinha e

alimentava à partir da sua tomada de decisão, tomada tão brevemente

mas resolutamente.

Arrumou mais uma vez os cabelos, verificou se a roupa estava em ordem

e saiu da "toillete" com a resposta pronta. Ao chegar, Renato mais uma

vez levantou-se para puxar a cadeira mas dessa vez ela o deteve e

abraçou-o. Ele supreendeu-se com a intensidade do aperto e com o beijo

no pescoço e com a frase sussurada em seu ouvido.

- Amsterdam! Nunca estive lá

André Vieira
Enviado por André Vieira em 05/06/2007
Código do texto: T514874