UM GRITO A MAIS

No meio da multidão, escuto um grito a mais, que me quebra a paz e me aturde.

Alguém me pede uma moeda para comprar um pão.

De sua boca vem o fétido cheiro do alcoolismo.

Suas roupas sujas, o seu rosto sujo, tudo nele infunde em mim um quê de asco.

Penso em fugir daquele olhar inquisidor e me volto para as pessoas ao meu redor: é como se dissesse "socorro!"

Ninguém me acolhe.

Colho do fundo do bolso de minha calça uma moeda qualquer e digo: é o que tenho.

E ele ri, mostra o melhor de seus dentes sujos e sai, meio que saltitando, pela rua, macunaímico, panglossiano, gritando que vai comprar um pão bem grande.

E eu respiro profundamente, de alívio, de vergonha.

Tive medo de quem não tem nada, de quem não é mais que nada.

E eu, que sou poeta do Recanto, me senti mínima.

Alguém escutou o meu grito de estupor?

Viviane Rolando
Enviado por Viviane Rolando em 06/06/2007
Reeditado em 06/06/2007
Código do texto: T516119