UM GRITO A MAIS
No meio da multidão, escuto um grito a mais, que me quebra a paz e me aturde.
Alguém me pede uma moeda para comprar um pão.
De sua boca vem o fétido cheiro do alcoolismo.
Suas roupas sujas, o seu rosto sujo, tudo nele infunde em mim um quê de asco.
Penso em fugir daquele olhar inquisidor e me volto para as pessoas ao meu redor: é como se dissesse "socorro!"
Ninguém me acolhe.
Colho do fundo do bolso de minha calça uma moeda qualquer e digo: é o que tenho.
E ele ri, mostra o melhor de seus dentes sujos e sai, meio que saltitando, pela rua, macunaímico, panglossiano, gritando que vai comprar um pão bem grande.
E eu respiro profundamente, de alívio, de vergonha.
Tive medo de quem não tem nada, de quem não é mais que nada.
E eu, que sou poeta do Recanto, me senti mínima.
Alguém escutou o meu grito de estupor?