Ócio

Aquela situação tornara-se insuportável. Eles sabiam que não podiam continuar convivendo com aquilo. Se o amor supera todas as dificuldades, esquecera de se impor desta vez.

O silêncio passara a reinar sobre a casa. Ela, sensibilizada, não se atrevia a dirigir-lhe a palavra, e só o fazia em casos extremos, como quando era preciso tratar das contas que se avolumavam. Ele, derreado, abatido e sem confiança, não conseguia olhá-la nos olhos. Iniciar um diálogo era impensável. A simples presença dela causava-lhe tremores incontroláveis. Tudo isso era traumático demais para ele. Era traumático demais para os dois.

Durante as refeições, um silêncio que podia ser cortado com faca sufocava o ambiente. Os ruídos incompreensíveis da TV ao fundo, sempre ligada para ninguém, pareciam acentuar a languidez do momento.

Nos dois extremos da mesa de jantar comiam, calados e de cabeça baixa, uma moça bela como uma protagonista de filme, mas a cada dia mais impaciente e visivelmente irritada, e um homem tíbio, envergonhado e assustado, que aparentava ter seus 45 anos, apesar de não ter passado dos 28. Efeito dos três maços de cigarros por dia que, dizia, ajudava a relaxar.

As grossas paredes dos cômodos da casa tomavam parte ativa naquele silêncio, tornando-o ainda mais negro e denso, insuportável. Serpente musculosa sufocando, comprimindo o ar em volta do pescoço.

Ela gostaria de dizer-lhe algo. Reconfortá-lo. Mas sabia que a tentativa seria inútil e podia ser mal interpretada. Ele era demasiado honesto, sensato e já havia compreendido a dimensão do problema e a amplitude de suas inevitáveis consequências.

Certa vez, durante um infeliz encontro na sala de estar, tentando fugir do silêncio ensurdecedor, ela ligara o rádio antigo que fora dado como presente de casamento por um tio que morava em outro estado. Infeliz ideia. Tudo remetia àquilo. Todas aqueles tangos pareciam debochar do marido e a locutora, de uma voz inesperadamente sensual, parecia fazer insinuações baixíssimas. Algumas vezes parecia exigir-lhes uma explicação.

Eles não dormiam juntos há alguns meses. Não havia motivos. Ele escolhera dormir no sofá todas as noites. Para ele, a madrugada era excessivamente longa estando no mesmo quarto que ela. Seu corpo parecia gelar de culpa ao menor contato visual com aquele corpo feminino tão divinamente maduro e ingenuamente impaciente. Manga graúda e suculenta, pedindo, ansiando, exigindo ser mordida com vontade.

Havia dias em que ele acordava otimista. Pulava do sofá e pensava: "Acho que nós podemos superar isso. Vamos conversar e nos entender. Apesar disso, ela me ama, eu sei."

Mas era um desses otimismos efêmeros que nos afagam o espírito como a neblina, sempre pela manhã, e que não resistem ao brilho dos primeiros raios do sol. Dez minutos depois a razão trazia-lhe a dura realidade de volta.

Era um castigo grande demais para ser suportado. Sua alma não era evoluída o suficiente. Em seu íntimo esperava não ser julgado.

Na manhã de uma quarta-feira qualquer o desfecho. Ele resolvera tomar a única atitude possível. Finalmente daria fim àquele sofrimento.

Caminhara até o cofre. Pegara o frio instrumento. Colocara-o contra o ouvido. Respiração suspensa. O estouro. O corpo cai pesadamente, provocando um ruído surdo, inconfundível.

Na cozinha, enquanto corta cenouras, ela suspira fundo e pensa consigo: "Por que hoje?"