O encontro

O encontro

Joana há muito deixara de ser ciumenta. O casamento com Martino já durava quarenta e poucos anos. Era uma relação amigável. Não tinha mais o ardor apaixonado dos primeiros anos, mas tinha uma cumplicidade rara entre casais. Ela não se preocupava muito com o que as outras pessoas pensavam. Vivia cada dia como se fosse o último, sempre equacionando o que era mais importante para sua felicidade. Não era uma fórmula mágica, mas estava dando certo.

Já no altar sabia que o casamento não era uma história de amor, que acabava com a frase:

“e foram felizes para sempre”. Ao dizer o “sim”, sentiu em seu ventre os primeiros movimentos da vida que carregava. Naquele instante, um relâmpago atravessou-lhe a alma, e sentiu-se responsável, amadurecida e disposta a crescer, evoluir, junto com seu parceiro. O casamento apressado, por causa de sua inesperada gravidez, revolucionou a vida de ambos os adolescentes, fazendo com que assinassem um pacto imediato de cumplicidade para o que estava por vir.

Os anos sedimentaram a alegria da união. Foram abençoados apenas com um filho, o Robertinho. Para outros pais, talvez fosse muito difícil aceitar a condição de o filho ser especial. Robertinho sofreu um problema ao nascer, e estava restrito a ser como uma criança grande. O sentimento positivo de aceitação da condição do filho fez com que Joana e Martino, ultrapassassem muitas barreiras e obstáculos, tornando-os mais do que marido e mulher. Eles eram bons amigos.

Mantinham sempre uma boa conversação, e estavam sempre bem humorados, apesar de terem opiniões diferentes em muitos assuntos. Martino era dono de uma serenidade interior muito grande, o que amparava Joana em seus momentos de tensão e angústia ao lidar com Robertinho.

Às vezes o “menino” queria jogar bola num dia chuvoso, e começava a chorar por não poder brincar no quintal. Martino quando estava em casa, jogava bola de pano com o filho, enquanto Joana cozinhava. Eles se revezavam nos cuidados ao filho.

Certa manhã, Martino levantou-se cedo, tomou banho, barbeou-se, perfumou-se e saiu. Avisando já na porta da cozinha: - Joana não me espere para o almoço. A mulher nem ouviu direito, pois Robertinho estava cantando em voz alta uma de suas músicas preferidas. Perguntou para Maria, a faxineira, o que ele tinha dito. Maria reproduziu as palavras de Martino e foi com o balde e o pano de chão para um dos banheiros da casa.

Uma pontada de ciúme atravessou o peito de Joana. Não podia ser. Onde será que Martino tinha ido. Ele não costumava fazer isso. Nunca tinha feito isso. Ficou remoendo os pensamentos boa parte da manhã, que passou ligeira, logo trazendo a hora do almoço. Ela não quis almoçar, perdeu o apetite. Só pensava no marido. Em seu estranho jeito de sair, e não dar dizer o destino.

A tarde já ia pela metade quando o telefone tocou. Maria atendeu, pois estava na sala aspirando o sofá. Não conseguiu processar o que ouvia e chamou Joana.

Ao ouvir o nome de Laura, Joana tremeu nas bases e teve vontade de perder a compostura e gritar o primeiro nome feio que lhe viesse à mente, mas conteve-se. Procurou ouvir com atenção o que a voz de Laura tentava lhe dizer. Ficaram muito emocionada, as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto. Maria já tinha se recuperado um pouco e continuou falando com Laura.

Joana correu para a escrivaninha no escritório de Martino. Procurou a agenda. Olhou as anotações referentes aquele dia. Leu escrito em vermelho e sublinhado: “Encontro com ,,.”

A última palavra não estava escrita. Ela imaginou com quem o marido tinha ido se encontrar.

Laura, a antiga e fiel secretária. Só podiam ser amantes. Óbvio, depois de tantos anos, a única justificativa para um encontro com Laura só podia ser isso.

Às vezes, a realidade é dura para se encarar, Joana não sabia o que fazer. Se é que tinha alguma coisa para fazer. Melhor seria ir até a casa de Laura e encarar os fatos de acordo com a necessidade do momento. Foi até a casa de Laura.

Ficou surpresa e chocada com o que encontrou. Martino estava recostado no sofá como se estivesse dormindo. Joana teve vontade de soltar toda a angústia que sentia em cima de Laura e das outras pessoas que começavam a chegar. Não conseguiu, olhou para o rosto sereno de Martino e ficou desconcertada. O marido era mesmo muito cínico, manteve um romance secreto com a secretária durante anos, e acabava de expirar no sofá da bendita.

Laura sabia o que fazer com Joana. Comportou-se respeitosamente e providenciou tudo. Após o funeral, Joana começou a arrumar os pertences do marido. Robertinho observava tudo calado. Ao ver a mãe secar as lágrimas, ele falou: - Mamãe não chora. Papai tinha um a encontro. Joana levantou os olhos para o filho e disse: - Eu sei. Ele tinha um encontro com a Laura. O filho olhou para a mãe e respondeu: - Isso não, ele tinha um encontro com os anjos.

Ele me falou muitas vezes, que ia fazer uma viagem e ia encontrar com os anjos, um dia viria me buscar. Joana secou as lágrimas e pensou profundamente no que o filho lhe disse.

Um mês depois ela tomou coragem e foi procurar Laura. Pediu imensas desculpas por tudo o que pensara e acreditara ter acontecido entre o marido e a secretária. Ao arrumar as coisas do marido encontrou uma carta. Ele contava o imenso amor que sentia por ela e o filho e não sabia o que fazer quando os deixasse. Laura, além de ser sua secretária durante muitos anos, fora sua ouvinte. Sabia cada problema que ele passava ao lado de Joana e o filho. Ao final, ele pedia a Joana que não lhe guardasse raiva nem mágoa por ter escondido durante anos sua amizade com Laura, sabia que ela ciumenta como era, pensaria sempre o pior. E ele preservava a amizade de Laura, pois ela era dessas pessoas amigas e queridas que a gente não quer perder a afeição. Quando soube que estava muito doente, não quis trazer mais um problema para Joana. Além de tudo, Laura era sua irmã por parte de pai. Martino soube disso depois de casado com Joana. Não quis contar-lhe também pensando que ela não ia acreditar.

Um ano depois, na mesma data do encontro de Martino com os anjos, Robertinho, teve um sonho lindo. Seu papai estava ao seu lado, chamando-o para um passeio. Robertinho o seguiu feliz, pois sabia que estava indo para um lugar muito bonito, e para um encontro com os anjos.

Joana apoiou-se em Laura para continuar vivendo. De certa forma, mesmo com a passagem de seus entes mais queridos, o laço familiar continuava, pois Martino sua cunhada tinha duas filhas casadas e quatro netos, dois meninos e duas meninas. A solidão não seria sua companheira até que ela também estivesse pronta para o seu encontro.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 13/03/2015
Código do texto: T5168960
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.