O artilheiro Pelé e o arqueiro Pedrosa

O Pelé brilhou. Não como de hábito, mas aquela noite era especial. E saiu mesmo no pênalti, mas afinal, era o gol mil, que o arqueiro argentino-vascaíno Andrada, bem que se espichou, chegou a espalmar mas não conseguiu brecar. Da data exata já não me lembro, certo apenas de que era novembro, e o ano, 1969.

Me recordo bem, entretanto, que mal atravessara a Av Afonso Penna, em Beagá, numa das mil esquinas que lá há - a capital mineira tem essa particularidade, tão retalhada na prancheta, pra imitar Paris, se diz, que cada quarteirão tem oito esquinas, bá, é Minas.

Sei eu que vinha sem muita conversa, mente dispersa, de algum colégio de periferia, onde havia de pouco iniciado minhas atividades docentes, tão necessárias à continuação de minhas discentes. E não foi que, cruzada a Avenida na altura da Curitiba, ou Rio de Janeiro com a Caetés, deparo-me com uma atenta moa de machos, de pé na calçada, olhando fixamente para um televisor tela preto-e-branco que se colocara na fachada dum comércio, uma farmácia, ou casa lotérica. Se casa lotérica era aquela bem conhecida na capital das Alterosas que trazia um dístico mais ou menos assim: o seu avô ainda era criança quando esta casa distribuía a sorte sem poupança...

Na telinha, transmitia-se o jogo Vasco X Santos, que viria a ofuscar os méritos anunciados pela casa lotérica. Numa boa, juntei-me à moa, gostava do fúti, e tava a toa. Tinha estudos, deveres e outros fazeres pela frente, mas quem desgruda da chance única - Romário ainda engatinhava... - de ver o Rei fazer a festa? E o mundo todo dependia daquele desenlace...afinal, já se tinha pisado na Lua.

Enquanto tentava achar o Rei - marcadíssimo naquele prélio, e jogando bem abaixo de sua usual esfuziância, dou-me de ombros, e de surpresa, com um outro atento torcedor, ex-colega de Seminário, apenas 2 anos antes, no nosso encroado mas esforçado aprendizado clerical em Divinópolis: o Pedrosa. Antônio Francisco, de pia, itapecericano, que além de bamba no terço fora também goleiro. Reserva, bom que se diga e que se evite intriga. E justamente do Ciro Leão, meu conterrâneo do Brumado de Pitangui, folgazão como jamais vi... Mas eu, sem o zelo e o apelo dos guarda-metas, nem ao menos havia chegado a essa proximidade da glória, sempre militando e zanzando feito uma enceradeira, entre as categorias inferiores.

Conversamos animadamente, até mesmo depois das celebrações ludopédicas que a ocasião comandava. E dali pra frente, embora tivéssemos nos proposto novo encontro, jamais nos voltamos a ver. O Pelé sim, ficou mais fácil vê-lo pelo mundo. Já o Pedrosa...imaginem: retomou o caminho do Seminário. Ordenado, militou por Cristo em algumas paróquias da Diocese divinopolitana.

E até me escreveu, fui receber dele vinte anos depois, em Jacarta, uma carta. Dizia-se adoentado, com sérios problemas de locomoção, as pernas já não mais o obedeciam, malgrado apenas entrado nos quarenta. E me pedia recursos para a compra de um carro, que lhe permitisse atender as necessidades de seus paroquianos. Carro modesto, frisava, volks de segunda mão, duns nove mil e tantos cruzeiros ou cruzados.

Ainda sem ter respondido à missiva do velho colega, vi, entretempo, e sozinho, o Romário repetir o feito do Rei. E vi também no obituário diocesano menção breve, mas encomiástica, da passagem pedestre do Padre Pedrosa voando para a vida eterna. Mea culpa...? Ou só meia...?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 14/03/2015
Reeditado em 29/01/2021
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