O TÉDIO
As paredes lhe davam tédio. O calendário posto na parede o deixava angustiado. No espelho, enxergou nos olhos a perplexidade
tramada pelo bolso sempre vazio, pela esperança de ver outra coisa
na paisagem.
Ansiedade. Acariciou o rosto por um instante e voltou a pensar
na fêmea que era sua sede, seu vício, sua delícia. Dama que vinha
cheia de ternura e que tinha o dom de inventar a palavra certa pa-
ra a fúria, o instante certo para o sangue, a pergunta própria para
o luxo que se via nos prédios burgueses. Sentou-se no chão para
não ver a paisagem da rua e sonhar com a certeza da canção em
outras manhãs.
Agora aqui ele preferia o tédio de quatro paredes à palavra que
vinha da praça, ao grito que vinha das esquinas.
Agora aqui ele preferia tomar outro gole de café a sair andando
pelas ruas como quem vai embora fugindo do calendário.