O TÉDIO

As paredes lhe davam tédio. O calendário posto na parede o deixava angustiado. No espelho, enxergou nos olhos a perplexidade

tramada pelo bolso sempre vazio, pela esperança de ver outra coisa

na paisagem.

Ansiedade. Acariciou o rosto por um instante e voltou a pensar

na fêmea que era sua sede, seu vício, sua delícia. Dama que vinha

cheia de ternura e que tinha o dom de inventar a palavra certa pa-

ra a fúria, o instante certo para o sangue, a pergunta própria para

o luxo que se via nos prédios burgueses. Sentou-se no chão para

não ver a paisagem da rua e sonhar com a certeza da canção em

outras manhãs.

Agora aqui ele preferia o tédio de quatro paredes à palavra que

vinha da praça, ao grito que vinha das esquinas.

Agora aqui ele preferia tomar outro gole de café a sair andando

pelas ruas como quem vai embora fugindo do calendário.

JOAQUIM RICARDO
Enviado por JOAQUIM RICARDO em 07/06/2007
Código do texto: T517466
Classificação de conteúdo: seguro