ALDEIA EM FESTA

Manhã de sol naquela aldeia que ficava lá no meio da floresta. A jovenzinha índia brincava perto da lagoa.

“Luara! Luara!”

“Fala, mãe.”

“Cadê Iaiá?”

Ela demorou para responder.

“Onde está Iaiá?”

“Não sei.”

“Mas vocês não estavam aqui brincando?”

“Sim, mas...”

“O que vocês estão aprontando?”

“Nada.”

“Então me fale onde está Iaiá.”

“Iaiá foi até a cidade.”

“Com quem?”

“Sozinha.”

“O quê?”

“Ai, e agora? Ela pediu para eu não dizer onde estava mas eu prefiro falar a verdade.”

“Iaiá não pode andar sozinha pela cidade, ela só tem 14 anos... vou ter que ir buscá-la. Ela vai ter o que merece! Onde já se viu? Uma índia daquela idade andar sozinha pela cidade! Será que ela não sabe o perigo que está correndo?”

“Não castigue Iaiá.”

“O quê que aquela maluca foi fazer na cidade?”

A indiazinha ficou calada.

“Responda!”

“Ela foi... comprar maquiagem.”

“O queeee???”

“Iaiá foi comprar maquiagem para usar amanhã na festa das aldeias .”

“Não acredito!”

“Iaiá soube que na cidade as meninas se maquiam para ir às festas.”

“Ai, mais essa...”

“Só porque não temos o hábito de se maquiar, não significa que você deve castigar Iaiá. Ela não está fazendo nada de errado.”

“Tá bom, filha, tá bom. Eu não vou castigar Iaiá.”

A mãe entrou na habitação, um tanto perdida.

“O que aconteceu?” Perguntou a vizinha.

“Iaiá quer se maquiar.”

“Não acredito!”

“É a televisão.”

“Só pode ser.”

“Luara disse que Iaiá soube que as meninas da cidade se maquiam para ir às festas.”

“O costumes e a moda lá das cidades já estão fazendo a cabeça das nossas crianças. Minha Cristal quer porque quer um sapato de salto. Eu disse a ela que não há como andar de salto aqui no meio da terra, no meio do barro, no meio do mato... meu pequeno cacique quer ir embora para a Europa jogar futebol.”

“Não vou permitir que Iaiá se maquie.”

“Faça isso não.”

“Imagina só Iaiá chegando na festa toda pintada... todo mundo irá pensar que eu sou uma mãe relaxada e que estou fazendo com que Iaiá se corrompa.”

“Calma! Iaiá não vai se corromper só porque quer se maquiar. Deixa! Deixa que ela se pinte mas... imponha limites. Só isso.”

“Mas não posso deixar ela ir até a cidade sozinha. Isso eu não posso permitir.”

“É perigoso demais.”

“Luara é 2 anos mais nova que Iaiá, ela vai querer se maquiar também.”

“E não vai demorar.”

“Pode ter certeza.”

“Você me ajuda a preparar a palha?”

“Ajudo, vamos lá.”

Enquanto isso, na lagoa...

“Você prometeu que não ia contar pra minha mãe.”

“Eu não tive como esconder, Iaiá! Além disso a mamãe não vai fazer nada contigo.”

“Como tem tanta certeza de que ela não vai fazer nada comigo?”

“Ela mesma me disse.”

Iaiá ameaçou chorar.

“Não fale mais comigo.”

Em seguida ela saiu correndo.

“Iaiá, espere! Venha cá! Não fique com raiva!”

“O que houve, Luara? Por que está triste?” A mãe.

“Iaiá ficou chateada comigo porque eu contei pra você o que ela estava fazendo na cidade.”

“Mas eu não vou castigar ela.”

“Eu disse isso, mas ela não quis saber. Iaiá ficou com muita raiva pelo fato de eu ter contado tudo pra você.”

“Ai, puxa, lamentável isso acontecer. Não quero que Iaiá fique chateada.”

“Ela não quis me ouvir.”

“Onde ela está?”

“Está no quarto.”

“Vou falar com ela.”

“Ela não vai querer falar com você.”

“Não faz mal eu vou insistir.”

A mãe de Iaiá batia na porta do quarto. O quarto pequeno e pouco mobiliado.

“Iaiá, abra a porta!”

Ela não respondia.

“Não estou brava contigo, apenas quero conversar com você.”

Após vários minutos de insistência, Iaiá abriu a porta.

“Eu soube que você quer se maquiar para a festa. Quero dizer que você pode...”

A indiazinha a interrompeu

“Eu não comprei a maquiagem.”

“Não?”

“Não, era muito cara e nenhuma me agradou.”

“Só te peço que não vá à cidade sozinha. A cidade é muito perigosa.”

“Eu não vou mais à cidade sozinha, fique tranquila.”

A mãe da indiazinha lhe mostrou uma foto de uma garota bem maquiada. Iaiá ficou olhando, admirada.

“Gostou?”

“Gostei.”

“Quer uma maquiagem como essa?”

“Essa maquiagem é muito bonita!”

“Vou comprar uma pra você.”

A indiazinha sorriu. Obrigada, mãe.

No dia seguinte

“Se não fosse Luara você não ganharia esse estojo de maquiagem.”

Iaiá ficou pensativa por um instante.

“Hoje à noite quero ver minha Iaiá maquiada e enfeitada na festa. Mas lembre-se: nada de exageros!”

“Tá bom, mãe.”

Horas depois, Iaiá e sua irmã Luara já estavam conversando e falavam sobre o estojo de maquiagem.

À noite, Iaiá saiu do banho e foi direto para o espelho se pintar. Cuidadosamente ela passava o lápis de olho, o batom, retocava a sobrancelha... tudo acompanhada de perto pela irmã. Em seguida ela colocou no pescoço o colar de flores. Somente as meninas-moças usavam tal colar. Ele representava a fase da adolescência. Na festa, Iaiá era o centro das atenções. Várias meninas usavam colar e estavam pintadas e enfeitadas, mas Iaiá era a única a estar maquiada daquela maneira, algo que provocou admiração e reprovação de muitas pessoas. Afinal de contas, uma índia se pintar como se fosse uma mulher da cidade não era algo habitual e ia contra os costumes e a cultura daquele povo. Durante a festa, vários indiozinhos elogiavam Iaiá e admiravam-na. A mãe dela não escondia a satisfação ao ver a filha feliz e contente. Iaiá causou impacto e mudou os costumes da aldeia onde morava e das aldeias vizinhas. Muitas índias, jovens e adultas, passaram a se maquiar como as mulheres da cidade. Não usavam mais a tinta extraída do urucum. Aquilo ainda lesava os costumes e a cultura do lugar, mas as coisas estavam começando a mudar. A quantidade de mulheres que saíam da cidade para vender produtos de beleza nas aldeias da região não parava de aumentar. Descobriram que lá era o “mapa da mina”.

O tempo passou.

“Iaiá! Iaiá!”

“O que foi, Luara?”

“Veja o que eu ganhei de aniversário.”

“Um estojo de maquiagem!”

“Você me ensina a passar maquiagem?”

“É claro!”

“Quero ficar bem bonita para a festa de hoje à noite.”

A menina posicionou-se ante o espelho.

“Pegue esse lápis.”

“Pronto.”

“Vai passando ele de forma bem suave em volta do olho... Isso! Isso! Não precisa forçar, bem de leve... agora faça o contorno da sobrancelha...”

É. Aquela aldeia já não era mais a mesma.

Alveres
Enviado por Alveres em 21/03/2015
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