Adeus às armas?

Tava exultante, o Juca: era uma sexta-feira e ele havia apanhado,

finalmente, o seu certificado de dispensa de incorporação. Pô, tava livre daquela angustiosa incerteza de ter que servir, e podia assim ser Caxias nos estudos - que eram a salvação da lavoura de um estudante que ainda tinha muito a semear.

Mas vamos à sexta, já de posse do CDI: era dia de viajar pro interior, passar o fim de semana com os pais, e alguns irmãos que por lá havera de estar. Jogar um futebolzim, dar uns finquetes no São João, tomar umas brahmas e, principalmente, ver as moças e, não dando nada, rematar a noite numa seresta, ou mesmo ir pra onde a muiezada não presta.

Tudo era festa. Com um pouco de sorte, ele achava um assento no ônibus da sexta à noitinha. Senão, o jeito era ir no sábado pela manhã. Bão que além da Santa Maria, a Sertaneja - cheia de pompeanas e abaeteenses - também servia. Isso sem falar nas minina da Abadia...

E ei-lo já na sua condução, todo refesteloso em seus planos, que combina com um cochilo, um rabo de ôio na menina da poltrona 18 e, uma ajeitada nos livros que leva na permanente esperança de dar uma olhada, ou pelo menos pela companhia, e uma ajeitadano cabelo.

Poeira, sacolejos, chiado de criança, cheiros vários, de vomitado inclusive, nada disso o perturba. Já tá acostumado e com pouco, que sabe, o roceiro da 17 desce e ele vai se juntar à donzela da 18. Dito e feito, na parada do Carioca.

E de assento ele troca. E conta e conta potoca pra belezoca. E pra impressioná-la ainda mais, exibe o documento que tanto o apraz: CDI. Tá livre do daqueles milicos, das humilhações de recruta. E ali, ele se dá conta da desnecessidade da FAM, a folha de alistamento militar, plastificadinha, mas já sem razão de ser - e de ter. O CDI é que vale. Y que venga el Paraguay otra vez!

E no afã de se livrar daquele documentinho provisório e agora obsoleto, que o torturou por tanto tempo, venta-o pela janela, justamente quando passava por uma touceira enorme de unha de gato e mais abatumado mato de beira de estrada.

O namoro não rendeu, as cervejas uma ou duas que bebeu, já até esqueceu, mas e a FAM, não é que reapareceu? Um matuto, caminhando pela beira da estrada a encontrara, pescara com auxílio de uma vara e fora indagando daqui e dali até encontrar a casa dos pais do Juca.

Apresentou-se, apresentou o documento encontrado, falou das dificuldades para resgatá-lo, do custo das passagens de ônibus, do tempo, mas que por uma questão de honradez estava ali, entregando na porta, a quem de direito. Recebeu sua recompensa - que cobrava com certa querença.

E o Juca, no Exército ainda pensa?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 26/03/2015
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