Duelo

O salão era enorme. Gigantesco. Estava repleto de pessoas sentadas na escuridão. Observavam mudas e atentas ao duelo que se travaria na arena à frente, bastante iluminada. Lá estava a fera, impassível e silenciosa, parada, descansando, esperando seu desafiador. Este último escondia-se atrás de uma porta entreaberta, olhando da fera para as pessoas e destas para a fera.

A fera era negra, brilhante, assustadora. Seu corpo era volumoso e resistente. O outro era franzino, usando roupas pretas, para se igualar à fera. O preto era como um sinal de luto por aquele que seria derrotado. Então ele saiu detrás da porta e foi na direção do seu destino, as pessoas aplaudindo, como nos coliseus romanos onde os guerreiros se entregavam aos ataques mortais dos leões. Aquilo era, no entanto, diferente. Ele se aproximou da fera de mãos vazias, iria enfrentá-la com os próprios punhos, e esta lhe cedeu parte do seu corpo, já sabendo de antemão o que ele almejava. O desafiante ali sentou. Tocou a fera, acariciando-a, cortejando-a e tentando ganhar sua confiança. Esta lhe abriu um sorriso de dentes incrivelmente brancos, alvos, mas não um sorriso bondoso, amigo. Era um sorriso macabro, de desafio, de deboche. O outro a tocou mais uma vez. Agora a fera soltara um rugido grave, ameaçador, que fez o desafiante engolir um nó que há horas entalava em sua garganta.

Todos que estavam sentados queriam ver o desfecho do duelo, então, onde o desafiante enfrentaria a fera de mãos nuas. E foi o que ele fez. Respirou fundo e começou a atacar a fera nos dentes, com os dedos, arrancando-lhe, às vezes com força, às vezes graciosamente, gritos, cantos, gemidos, ais, melodias, sonatas, minuetos. O pianista agora estava confiante, e passou quase uma hora inteira mostrando ao público tudo que passara dias estudando e praticando. Tudo o que sabia, graças à experiência de anos enfrentando esse tipo de fera.

Terminado o recital, levantou-se, agradeceu à platéia, que respondeu com aplausos calorosos, saiu pela porta por onde entrou e o piano, a fera, ficou sozinha no palco, vencida.

Bruno B Silva
Enviado por Bruno B Silva em 09/06/2007
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