O Espelho

Todos os dias ela repetia os mesmos passos, como em um ritual: acordava, tomava banho, comia seu café da manhã e sentava-se à sua penteadeira. Acordava cedo de propósito, só para preparar-se impecavelmente para sair, seja para o trabalho, para comprar qualquer coisa no mercado, mais ainda para um encontro de amigos, muito mais para sair com seu namorado.

— Nossa, você está linda! — Todos diziam. Não pense que ela respondia com “são seus olhos, meu bem...”, que nada! Ela usava um nada modesto nem humilde “obrigada”.

Morava sozinha e, para variar, chamava-se Bela. “Se tivesse nascido homem me chamaria Narciso”, ela brincava. Chegou ao ponto de comprar vários espelhos para sua casa. Havia vários deles em todo local, de modo que ao acordar ela se via refletida num espelho do teto, via sua cópia cozinhando ou lavando roupa, mirava-se lavando o cabelo ao tomar banho, e fez questão de usar lentes de contato (mesmo sem precisar) somente para poder sentar frente ao espelho e colocar as lentes. As pessoas que a visitavam não ficavam muito tempo, pois ao conversar, Bela não olhava para a pessoa, mas sim para os diversos espelhos espalhados pela sala. Dizia-se que Bela assistia televisão por um espelho oposto ao aparelho. Muitos não acreditavam, porém era verdade.

Quando saia com as amigas era uma confusão. Sabe o que ela dizia quando perguntavam se ela tinha um espelho? “Todos!”, dizia de maneira ridícula, infantil. No shopping suas amigas evitavam ir a lojas de roupas, pois Bela demorava cem vezes mais para escolher algo. Tudo porque se trancava no provador e só saía de lá depois de se admirar muito ou quando uma das vendedoras a tirava de lá, a pedido das amigas.

Bela seguia sua vida fútil, quando passou numa loja de antiguidades e viu algo que chamou sua atenção: um espelho enorme, antigo, de moldura dourada, cheio de enfeites. Não pensou duas vezes. “Um desses eu não tenho...”. Gastou todo o seu salário de três meses, mas adquiriu o tão sonhado espelho. Levou-o para casa e o pôs ao lado da penteadeira. Todo dia que acordava via-se completa, de camisola, refletida no espelho gigante. Estava muito feliz, tão feliz que olhou para o seu reflexo e disse:

— Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?

Bela rodopiou no quarto e nem percebeu o rosto velho que aparecia no espelho e que disse, numa voz surda e grave:

— Não, não há. Você é a mais bela...

Ouvindo isso, Bela soltou um grito enorme de susto. Pegou o espelho e o derrubou no chão, fazendo-o virar cacos. Destruiu todos os outros que haviam na casa. Após limpar toda a bagunça, arrumou-se (não tão impecavelmente), pegou a bolsa e uma lista telefônica. Horas depois, estava se consultando com o psiquiatra...

Bruno B Silva
Enviado por Bruno B Silva em 11/06/2007
Código do texto: T522686
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