Três balas sem Django

Não matei o Pau-de-Sebo por um triz. E o gambá em que mirei, foi ainda mais feliz. Escapando de bis em bis.

Não lhe nego que não tivesse tomado umas brama. Voltava pra casa por volta das onze da noite, e encontrei mamãe ainda acordada, na cozinha ela que voltara do trabalho na fábrica às dez e pouco e devia estar tomando um café com biscoito, ou comendo alguma coisa de maior sustança, tipo feijão bago-bago, enriquecido com um ovo frito.

O gambá, também à procura de algo pra forrar o estômago naquelas altas horas da noute é que parecia andar no rumo errado: subira numa laranjeira, a uns três ou quatro metros da janela da copa, de onde eu o avistara. E a luz não parecia incomodá-lo mais do que a fome daquelas horas.

Eu que nunca matara mais do que um sabiá e uns filhotes de ratazana ainda com os olhos por abrir, fui tomado daquele ímpeto viril-adrenalínico: era a hora de dar umas balas pro bichinho. E como papai estava na labuta, enfrentando a terceira turma, não tive dificuldade em me assenhorear do revólver, calibre 22, um Rossi, inobstante as ponderações de mamãe.

Ouvi só minha consciência. E entre os estalidos dos três disparos seguidos, entrecortados apenas por um brado distante e aflito, cumpri meu insano rito. Mas o grito era do Pau-de-Sebo - vim a saber na

manhã seguinte, passado e dormido o acinte.

O Pau-de-Sebo, talvez se chamasse Raimundo, mulato bem apessoado,

invariavelmente utente de chapéu da aba curta, bigodinhos bem aparados e homem de muitas zanzas e transas que, a uns duzentos metros dali, justamente na linha de tiro do gambá, subia a rua da Paciência, na certa à busca d´um encontro noturno, ou dumas bramas em meio às noturnas damas.

Deu o grito de alarme ao sentir a primeira bala alojar-se no madeirame de uma casa de que passava em frente; ao estampido do segundo projetil, já havia se escafedido o inocente Pau-de-Sebo.

O gambá é que atônino não se escafedeu, nem fedeu ao tiroteio meu. Só quando, já sem balas me armei dum rodo e parti para o corpo a corpo, foi que o bichinho se deu conta de minhas intenções. Baixou do tronco e partiu rumo ao lote baldio de onde provavelmente viera. Mas não sem antes dar uma boa guinada à minha enérgica vassourada, que, buscando sua lombada, e por partes sua com o diabo, ainda lhe fez partir o cabo.

E no dia seguinte, a conversa na fábrica não era outra senão o atentado à vida do Pau-de-Sebo, que sem ninguém ser preso, escapara ileso. E na minha consciência, pela imprudência, só aquele peso.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 04/05/2015
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