Mancebo que chega

E o novo mancebo chegou numa tarde ensolarada, levado pela mão de mamãe. A princípio lhe estranhamos o tamanho de encorpado que era, como a cor e até a forma. Vinha substituir o antigo, que dera os pregos - mas que se dava bem com nossos acostumados egos.

E investido, e vestido, foi logo de um novo coador, mais comprido, novinho da silva. E feiinho - não faz mal que se o diga. O café, o produto final daquele conjunto, é que nos iria dar a medida do gostar daquele novo par: mancebo e coador.

E, no tacho estanhado, com o biquinho na borda para facilitar o servir, foi botada a água pra ferver no fogão a lenha com aquele ror de açúcar que nem se precisava ver pra crer - açucarada que era nossa doce infância. Enquanto aquilo, ficava o pó a esperar no fundo bem fundo do novo coador - com o mancebo a sobraçá-lo, como num abraço de amor.

E no quintal, à porta da cozinha, onde costumávamos nos reunir à tarde pra tomar o café em torno de Dona Zezé, à sombra do arvoredo. E fervida a água doce - quase como um xarope dada a densidade do açúcar, ora cristal, ora mascavo - todos os cuidados eram poucos para transportar aquela fervura e vertê-la na boca do coador - com a certeza de que abaixo dele, tampa aberta, estava o bule esmaltado verde pra sua dose certa reclamar - e a tampa logo fechar, pro calor não escapar.

E o mancebo firme, na armação robusta de madeira a achar tudo aquilo uma brincadeira. Bolo, geralmente assado na brasa por papai naquela caçarola costurada era presença ocasional. Assim como as quitandas (roscas, tarecos e biscoitos) da produção - ainda mais ocasional - de mamãe. Mas na falta de um ou outro, era o pão a salvação: sovado, de sal, ou em boa, pra comer, a hora era sempre boa. Tudo arrematado, pois é, pelo café.

E conversa vai ou vem, pra se verificar o andamento dos deveres de casa, das obrigações, os dodóis da rotina da vida menina ou o asseio dos dentes - sempre havia nossa desculpa de que se acabara de comer, a distração, ou desculpa, era ver chegar as comensais atrasadas, mas sempre interessadas: as abelhas, que atraídas pelo doce não deixavam passar o que doce fosse. A princípio, como nós, estranharam aquele mancebo grandalhão, de hastes meio roliças e jeito pouco acolhedor - até de darem conta de quão doce era o seu coador...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 09/05/2015
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