A VOLTA

Ao longe, ele avistou uma senhora cujos olhos se transformavam nas nascentes de dois rios tranquilos. Eles vinham assim, lentos e pesados, abrindo caminho por suas rugas até que, finalmente, encontravam a foz em seu queixo, de onde caíam tristes e formavam pequenas manchas molhadas no tecido do vestido florido.

Aproximou-se devagar, compadecido diante da imagem tão melancólica que se formava com a figura da senhorinha aborrecidamente sentada no banco da rodoviária enquanto os últimos poucos raios de sol do dia atingiam suas mãos cansadas e parte de seu colo. Ela olhava para baixo, com as costas arcadas e a boca entreaberta, enquanto alguns legumes rolavam para fora da sacola de feira deixada no chão, bem ao lado de seus pés. Atônita, observava o trajeto que eles percorriam, quase até a sarjeta, sem nada fazer.

“Eu pego para a senhora!” – gritou ele, que chegou correndo e logo se ajoelhou no chão, colocando-os todos dentro da sacola novamente e apoiando-a em cima do banco, bem ao lado do braço direito da velhinha.

“Obrigada, meu jovem” – disse ela, num sussurro quase inaudível, enquanto ele inclinava o rosto para perto dela a fim de que a ouvisse melhor.

De pé, fitou-a ainda por alguns segundos e, num suspiro consternado, decidiu sentar-se um pouco ao seu lado.

“Que faz aqui na rodoviária?” – perguntou a senhora.

“Eu? Estou voltando para a casa. Saí do trabalho há 15 minutos.”

Ela parecia não prestar muita atenção no que ele dizia: seus olhos estavam fixos num outdoor qualquer e sua fala, aparentemente, havia sido posta no modo automático. De repente, um silêncio profundo se instalou e os dois podiam ouvir apenas o canto de três ou quatro pássaros diferentes, pousados no fio de um poste próximo.

“Perdoe-me a pergunta, mas... E a senhora, o que faz aqui?” – perguntou, entrelaçando os dedos, acanhado, sem saber ao certo se receberia ou não uma resposta daquela curiosa figura.

Ela, finalmente, desviou os olhos do outdoor, virando o rosto na direção do homem. Abriu a boca e, por alguns instantes, conservou-a aberta, sem nada dizer, como que a pensar no que responderia. Respirou fundo, fechando os olhos.

“É que eu tenho a esperança de que, a qualquer momento, a felicidade retorne em algum desses ônibus.”

“A felicidade?”

“Sim. Tenho esperado por ela todos os dias, há três anos. Sempre aqui, nesse mesmo banco.”

O homem, perplexo com a resposta obtida, enrugou a testa e apertou os lábios, fitando a senhora numa curiosidade ainda maior. Ela, por sua vez, esboçou um sorriso levemente debochado, levando as mãos aos olhos e esfregando-os.

“Acha que não é possível esperar pela felicidade por tanto tempo, meu jovem? Acha, melhor dizendo, não ser possível que se espere que ela chegue de ônibus?”

Ele riu, um pouco sem graça, mas ainda sem saber exatamente o que a velhinha queria dizer.

“Pois bem... Espere pelo dia em que um filho seu parta e acabe por não mais voltar, descumprindo uma promessa que lhe foi feita. Nesse dia você saberá o que é esperar pela felicidade numa rodoviária. Esperar, ansiosamente, que um dia ela ainda retorne.”

Naquele momento, foi nos olhos dele que os dois rios resolveram nascer.

Dona Iaiá
Enviado por Dona Iaiá em 19/05/2015
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