O Sapo

Um dos meus primeiros empregos como professor foi numa pequena escola, cujos alunos eram de família de alto poder aquisitivo. Uma parte significativa deles era mimada e com as deformações que o dinheiro causa no caráter das pessoas, mesmo ainda adolescentes. Mas, até que eu conseguia fazer um bom trabalho, talvez porque minha idade não era muito superior a deles. Era recém-formado e, na verdade, aquele emprego era para compensar o pouco que ganhava trabalhando com alunos de periferia, este sim, o grupo de minha identificação e dedicação.
Cresci num bairro operário e as dificuldades da vida eram vencidas cada dia, com muita luta e dedicação de meus pais. Era comum começarmos trabalhar cedo, muito jovens e isso nunca causou nenhum tipo de trauma, ao contrário, nos ensinou valorizar o sacrifício de nossos pais e forjar honestidade e retidão de caráter. Pelo menos na maioria de nós.
O bairro em que morávamos era tranquilo, não havia grandes desigualdades. Havia, isto sim, algumas regras entre os garotos. Por exemplo: chegava material de construção para as pequenas reformas que eventualmente ocorriam nas casas com quintais generosos, todos tinham obrigação de ajudar carregar tijolos, areia, telhas e o que mais tivesse para dentro da casa. Jamais pensava-se em qualquer tipo de pagamento. Somente solidariedade, amizade mesmo.
A outra regra era jamais namorar as meninas que já estavam namorando um dos componentes do grupo. Isto era sagrado. Somente investir se o namoro estivesse desfeito. Quando esta regra era quebrada o desrespeitador seria punido com o desprezo dos demais, isso se não ocorresse algumas ameças físicas. Isto chegou a me causar alguns problemas e até alguns hematomas.
Quanto às meninas, algumas lindas que frequentavam nosso sonhos, outras nem tanto. Brincávamos separados. Elas com suas poucas bonecas, pulavam corda, passa-anel e outras que pouco entendíamos. Nós jogando bola até a exaustão.
A escola era um capítulo à parte. Eu estudava muito para não fazer os exames finais que existiam naquele tempo.”Segunda época”, nem pensar. Seria passar as férias estudando. Ainda mais quando tínhamos de estudar à noite, devido ao trabalho.
Também nessa época surgiram as primeiras paixões . Sandra foi a primeira delas, era a mais linda da rua. Houve muita dificuldade para que ela aceitasse namorar comigo. Eu não era exatamente um galã. O esforço que durou alguns anos, durou muito pouco tempo. A moça era ambiciosa. Queria muito da vida. Estudava piano, era aplicadíssima na escola e dizia que se casaria com um príncipe.
Sempre ri muito com essa história. Mesmo quando ficamos mais velhos, universitários, ela continuava cada vez mais ambiciosa e com ideia fixa de um bom casamento. Ficava enfurecida com minha brincadeira preferida: “quem procura o príncipe, acaba se casando com o sapo”.
- Sapo é você, dizia sempre ela. E eu jamais sequer namoraria com você.
- Já namoramos, esqueceu?
- Coisa de criança, não vale.
- Vale, foi muito bom.
- Não aconteceu nada, ou quase nada. Sapo!
O tempo passou Sandra mudou-se com os pais e com o tempo eu também.
Minha primeira reunião com os pais dos alunos da escola de elite. Estava nervoso. Algumas mães mais exaltadas com notas baixas de seus filhinhos queridos. No mais, tudo corria bem. Até que ela entrou.
A mulher que chegara num Mercedes esportivo, segundo o pessoal da portaria queria falar separadamente comigo. Eu disse que não iria. Que a reunião era para todos. Não fui.
- Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. Ouvi quando já terminava a reunião.
Era ela, Sandra, absolutamente linda e toda produzida. Idescritível. Literalmente cai sentado na cadeira.
- Eu sou a mãe do Diogo, seu aluno da quinta série. Lembra quem é?
Naquele momento não lembrava nem meu nome. Disse que sim e para que ela sentasse. Ela riu do meu comportamento desastrado. Derrubei o copo com água na roupa, além da cadeira. Ela sorria.
- Então como está meu filhinho? Ele tem bom comportamento? E suas notas, como estão?
Respondi que estava tudo bem com o menino.
- Então está bem, até logo. Prazer em te conhecer.
Conhecer?
- Até logo, balbuciei.
Já de saída, próxima à porta, voltou-se para mim e disse:
- A gente se vê...Sapo...
Só me restou coaxar.
Gerson Carvalho
Enviado por Gerson Carvalho em 05/06/2015
Reeditado em 03/09/2017
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